terça-feira, 11 de junho de 2013

Minha tarde com o Zé Wilker


Aí eu estava no Shopping da Gávea. Lá é mais um desses templos onde nós dependemos de elevador. Se eu quero ir ao cinema, por exemplo, tenho que subir até o quarto piso e pegar outro que me deixe dentro da área onde ficam as salas. Para evitar a baldeação o cadeirante precisa contar com a ajuda de algum passante para transpor um ou dois bons palmos de degrau.
Mas eu tenho pena de verdade é da ascensorista. Se liga só como é uma vida difícil: ela fica algumas horas naquele cubículo, sentada em seu banquinho acolchoado e correndo sério risco de arrumar uma gripe com o ar condicionado. Assim não dá, a moça se prepara um tempão para bem apertar seus botõezinhos e ainda precisa aturar gracinha de madame que acha um absurdo ter que dividir espaço com deficiente (“A administração devia era separar um só para esse pessoal. De repente o de carga, não é mesmo?”). É realmente complicado querer que a profissional cumpra a sua função de esclarecer os usuários quanto à prioridade na utilização do serviço. Se eu fosse a Maria José ia correndo ao sindicato reivindicar melhores condições de trabalho. Quem sabe tacar fogo em um quiosque daqueles? Chega de sacrifício. Basta de tanta exploração.

PS.: Me avisaram aqui que eu não falei do Zé Wilker. Bom, o Zé Wilker, que calado estava, calado continuou. Não se deve perturbar o Zé Wilker.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Boa noite, Cristiano.


Sansão, o papo hoje é com você, que latiu para mim logo cedinho. Eu sei que não foi por mal, que é a sua maneira de saudar as pessoas, um cumprimento afetuoso. Só que a dona não entendeu assim, não. Vocês vinham bem atrás de mim; acontece que a calçada era estreita e não consegui dar a prioridade a que, certamente, vocês têm direito. Acredite; acelerei o mais que pude para liberar a passagem. No entanto a dona, preocupada que é com o seu bem estar, Sansão, julgou que você tinha se assustado com algo que ela identificou como um bicho. Olhei ao redor e verifiquei que só havíamos nós três e o rapaz que dorme no chão da esquina da padaria. Todo dia ele está ali, sobre sua cama de papelão. Ela, sem baixar a fuça empinada, tratou de esclarecer que a questão não era comigo. Que você, Sansão, fica agitado quando encontra dessas coisas pelo caminho. Intrigado com o caso, resolvi te dar um toque, já que nós somos amigos. Faz o seguinte, Sansão: amanhã, quando sair levando a dona para o passeio, empresta para ela um pouquinho de noção e ensina que ali no canto não tem bicho nenhum. Entendo que burro velho é difícil de adestrar, mas, creio, vale a tentativa. E, bicho, uma informação talvez ajude: sabe o menino da rua? Aquele, do colchão de papel. O nome dele é Cristiano. Anota aí para não esquecer: Cristiano.

domingo, 7 de abril de 2013

Vocês esqueceram um cadeirante lá no último vagão

Já fazia um tempo que eu não andava de metrô. Costumava usar direto, mas agora, principalmente desde o semestre passado, tenho rodado mais de ônibus. Não que seja aquela maravilha, mas pra ir todo dia pra faculdade é o meio mais prático.
Basicamente existem dois problemas pra um cadeirante meia bomba que nem eu enfrentar nos subterrâneos da cidade: o horário do rush lotadão e o tal vão entre o trem e a plataforma. Com a muvuca eu não precisava me preocupar porque era sábado, hora do almoço. Já o lance do buraco estava lá, firme e forte. Tive uns quinze minutos esperando na estação pra me preparar pra ele. É curioso o jeito que rola isso. Todo santo dia encaro obstáculos bem mais difíceis do que esse, tranquilo. Acontece que, quando colocam um vácuo no meio, a coisa muda de figura. Sei lá, bate um cagaço das rodinhas engancharem justamente ali, naquele espacinho. Deve ser psicológico isso.
A composição chegou. Entra comigo um coroinha com pinta de maneiro. Dentro já tinha um camarada. Confesso que julguei mal o cara porque estava o maior cheiro de cinzeiro e achei que ele estivesse fumando em local proibido. De repente o coroa levanta correndo em direção à saída. A porta automática fechou em cima dele, que teve dificuldades, mas conseguiu saltar. Olhei pro lado e ainda deu pra ver o outro sujeito saindo batido. A maresia foi só aumentando. E agora ainda tinha uma fumaça branca que deixava o ambiente todo embaçado.
Do lado de fora, o velhinho dava pancadas no vidro enquanto fazia um monte de sinal esquisito. Pelo que eu entendi, tentava avisar ao condutor que tinha um cadeirante lá dentro e tal. Depois de um tempo, abriram a porta e aí descobri que o troço estava pegando fogo e só eu não sabia de nada. Bonito: o velhote viu que estava dando merda, se pirulitou rapidinho e me largou ali com a bronca. Só depois que estava a salvo é que lembrou do babaca aqui.
A volta também demorou um pouco. Isso porque o elevador da estação estava quebrado e eu tive que ir até o ponto final pra mudar de linha. Pena; acabei perdendo o noticiário. Tenho certeza que ia encontrar o velho por lá dando entrevista; tirando onda de heroi às minhas custas. Assim é mole, né, Munn-Ra; assim é mole.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Maninho, o Caolha Nazista e PC, o poliglota



_ Oi, amigo! Como é que você tá?
_ Tudo certo, Maninho, tudo certo. E você?
_ Rapaz, eu já ralei pra caramba hoje. Pintei um apartamento todinho. Depois eu vou lá fazer uma limpeza boa, já pedi pra deixar a chave com o porteiro e tal...
_ Aí deu uma parada pro almoço...
_ Almoço nada, pra uma cervejinha mesmo. Uma não, duas. - Disse isso já fazendo sinal pro atendente.
_ Você joga basquete, né? - Um cara na mesa ao lado resolve perguntar pra mim.
_ Já joguei, já joguei, agora não.
_ Ué, por que não?
_ Porque eu sabia jogar em pé, agora tenho que aprender a jogar sentado.
_ Tu faz o seguinte: pega uma quadra daquelas ali no Aterro e fica só treinando arremesso. Chuta uma, depois chuta outra... Daqui a pouco já tá craque.
_ É isso aí, deixa comigo.
_ Tá me reconhecendo não?
Nessa hora olhei pro Maninho. Buscava apoio pra situação, entende? Depois de uns momentos de hesitação, o cidadão mesmo respondeu.
_ Eu sou o PC!
_ ...
_ O PC, armador! Joguei quatorze anos no time de basquete do Flusão!
_ Ah, lembro sim. - Menti, pra não ficar chato.
_ Naquele tempo era diferente... A gente trouxe os cubanos....
_ Sei...
O camarada que estava com ele era um coroa de uns trezentos anos que (acho) tinha um olho de vidro. O problema era saber qual dos dois. Resolvi mirar no nariz enquanto ele falava. Era conselheiro do Fluminense, não diretor (fazia questão de distinguir).
_ ... aí o segurança não queria me deixar entrar na Gávea. Pode isso? Eu estava acompanhando meus atletas! Ah, eu perdi a paciência! Virei para ele e disse: "Escuta aqui, ô crioulo, eu vou entrar sim, está me entendendo?". Eu ia encher o negão de sopapo, minha senhora é que me segurou. Aqui sim, as pessoas podem se sentar e ter uma conversa agradável com gente educada. Flamenguista tem mais é que morrer!
Preciso dizer que eu sou um crioulo flamenguista? Achei melhor sonegar as informações antes que o nazista resolvesse me encher de sopapo também. Quando olhei pro lado, o PC estava com as mãos postas em minha direção.
_ Deixa eu tentar uma coisa. - Ele disse.
A partir daí se seguiram minutos intermináveis de uma fala ininteligível. Uma voz gutural dizia coisas sem sentido nenhum. O PC estava vermelho, parecia que ia explodir. O pior é que ninguém estranhava a cena, parecia a coisa mais normal do mundo. Chorando ele explicou (?) ter falado em aramaico. Deu vontade de falar e ele falou, simples assim. Antes que pintasse mais um da galera deles, dei um jeito de lembrar que tinha que ir ao barbeiro e saí batido. Afinal, maluco por maluco, sou mais falar de futebol e ficar ouvindo fofoca dos outros.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Eu vi o cu do gringo

Tinha resolvido que ia parar de contar história de gente maluca por aqui; podia parecer que eu vivo num manicômio ou coisa assim. Acontece que essa eu não resisti. Tem um monte de figura por aí, mas esse cara aloprou. Ele é um americano (acho) que vive no boteco aqui do lado de casa. Tá sempre de bermudão, colete e boné de baseball. A idade não saberia precisar: alguma coisa entre quarenta e cento e vinte anos. Tava de bobeira perto da banca de jornal quando me vem o doido.

_ E aí, cara, tudo bem?
_ Tudo, tudo bem e você?
_ Tranquilo. Sabe o que é? É que a gente tá sempre se encontrando por aí e nunca se fala. Qual é o seu nome?
_ Carlos. E o seu?
_ Andrew (?). Mas, o que que houve contigo aí, cara? - falou apontando pra minha cadeira de rodas - Sempre tive vontade de perguntar.
_ Ah, isso foi uma inflamação na medula e tal.
_ Sei... Cara, eu também ando passando por uns apertos aí.
_ É?
_ Sabe aquele cara que caiu um vergalhão na cabeça dele?
_ Vergalhão?
_ É. Passou no jornal e tudo
_ Ah, tá. O que que tem?
_ Então, fiquei na mesma enfermaria que ele. Tive um pico de pressão - não lembro quanto ele falou que tava, mas era alta pra cacete - e fui, sozinho, pro Miguel Couto. Peguei um táxi e fui sozinho pro Miguel Couto.
_ É mesmo?
_ É, pode acreditar. O médico disse que nós é dois cagão. De sorte, entende?
_ Entendo. Sortudos, né?
_ É, dois cagão. Outro dia tava lá também. Fui operar. - enquanto falava ia procurando algum arquivo no celular - Você não é de impressionar não, é?
_ Não. - só agora percebi que devia ter respondido que sim, eu sou de me impressionar sim.
_ Achei! Daqui a pouco eu te mostro. Eu liguei pro meu irmão e disse pra ele assim: "tô indo operar". Ele ficou nervoso pra cacete, mas eu disse: "não esquenta não que tá tudo certo". É que eu tava com uma ferida que ia do cu até o saco. E fui lá pra operar.
_ Ãh, sei...
_ Então, olha aqui.

Eu sei que não devia ter olhado, que só podia ser merda isso; mas eu olhei, tá? Olhei e me arrependi. Acho que nunca mais vou esquecer a imagem. Não tava muito nítida (graças a Deus), mas a foto mostrava a área em questão momentos antes da tal cirurgia. Close do inferno. Só que o cara não aparentou desconforto nenhum com a situação. Pelo contrário; parecia até meio orgulhoso do fato. E era um tal de "meu cu isso", "meu cu aquilo"; sem o menor constrangimento. Vai ver não ensinaram pro Andy nenhum sinônimo mais apropriado em português. Tudo isso balançando aquele celular como que rebolando pra todo mundo. Arrumei uma desculpa e fui embora antes que ele resolvesse mostrar mais coisa. Não me pergunte por que, mas fiquei com nojo de apertar a mão do cara na hora de ir. Então, é isso. E faz o seguinte: se você não tiver nada pra fazer e quiser dar uma sacada no cu do gringo, é só avisar que eu apresento o cara. Acho que ele vai ficar feliz com mais alguém dando aquela espiadinha nele.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Para-raio de maluco

   Essa é mais uma da série "Figuras que a gente encontra por aí". Estava no ponto esperando o ônibus quando passa, pelo outro lado da rua, uma tropa da guarda municipal. Eram bem uns cinquenta agentes. Aí me vem esse cara (que, acho, já estava me filmando há algum tempo).
_ Eu também sou guarda municipal.
_ Ahã...
_ Tô com perícia marcada pra amanhã.
_ Sei...
_ A médica na semana passada me deu alta, é mole?
_ É?
_ Mas eu já pedi revisão.
_ Ah, tá...
_ Amanhã eu vou chegar lá com cara de maluco. Já deixei a barba crescer e vou sem boné também. Eu ando sempre de boné - de fato ele usava boné; e bermuda e chinelo e camiseta -, mas amanhã eu vou com o cabelo todo desarrumado.
_ Faz isso mesmo...
_ Vou dar um tapa antes, mas não vou chegar doidão não; chupo uma bala Hall's e tal.
_ ...
_ Vou fazer cara de doido. - nem vai precisar fazer muita força.
_ Sei...
_ E você aí, o que é que houve? - disse isso examinando minha cadeira de rodas - Foi tiro?
_ Não, inflamação na medula...
_ Puutaquepariu.
_ ...
_ Mas não mexe nada? Não consegue nem esticar? - pegou minha perna direita e levantou.
_ Não...
_ E se eu largar a perna agora...
_ Ela cai!
_ Mas você reza?
_ Hã?
_ É, porque eu sou doidão assim mesmo, cheiro pra caralho, faço um monte de merda, mas eu rezo.
_ Ah, tá...
_ Tô indo lá no morro agora pegar um papel.
_ Vai lá, vai lá...
_ Mas eu vou orar por você, irmão.
_ É isso aí...
_ Qual é o seu nome?
_ Carlos, e o seu?
_ O meu é Nilton.
_ Falou então, Nilson...
_ Nilton.
_ Falou então, Nilton...
_ Falou. Eu vou orar por você, hein.
_ Eu também, meu camarada.
_ Você não vai subir o morro também não, né?
_ Não, pode deixar. E boa sorte lá na perícia, valeu?
_ Valeu.
   Ainda não encontrei o Nilton de novo, mas confesso que fiquei curioso pra saber se a estratégia na perícia deu certo. Vai que cola lá no meu trabalho também? Sei lá, bala Hall's...

segunda-feira, 11 de junho de 2012

UFC MMA: Áurea "Quebra Ossos" Vs Sem Noção da Silva

_ Escuta aqui uma coisa: você é uma tremenda cara de pau, hein? Podia muito bem descer pela escada rolante, mas não; acha que é mais esperta que todo mundo e fura a fila do elevador. Deu azar que a gente te encontrou de novo e agora vai levar uma coça pra deixar de ser vacilona!
Foi mais ou menos isso (tirando a parte de surra) que falou a dona Áurea, com dedo em riste, pra uma sem noção que passou a frente de todo mundo no shopping outro dia. Esses elevadores são pra uso prioritário (não exclusivo, é verdade) de pessoas com dificuldade de locomoção. O problema é que nos andares intermediários ele passa cheio e fica difícil entrar. A ascensorista, muito educadamente por sinal, pergunta se alguém se dispõem a continuar a subida pelas escadas, dando lugar a quem realmente precisa. A maluca deu uma de João sem braço e se infiltrou no espaço deixado apesar dos protestos de todos. Bancou a surda e ficou lá no fundão olhando pro teto. Ela e um palhaço que a acompanhava. Acontece que quando o elevador voltou na descida a cretina foi obrigada a dividir espaço comigo (cadeirante), dona Áurea (uma octogenária cidadã), um senhor de muletas e uma senhora de cento e dois anos e dois meses que saía de um almoço com a família. Da sova ela escapou, mas aposto que as palavras de dona Áurea estão ricocheteando na cabeça da abusada até agora.