segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Maninho, o Caolha Nazista e PC, o poliglota



_ Oi, amigo! Como é que você tá?
_ Tudo certo, Maninho, tudo certo. E você?
_ Rapaz, eu já ralei pra caramba hoje. Pintei um apartamento todinho. Depois eu vou lá fazer uma limpeza boa, já pedi pra deixar a chave com o porteiro e tal...
_ Aí deu uma parada pro almoço...
_ Almoço nada, pra uma cervejinha mesmo. Uma não, duas. - Disse isso já fazendo sinal pro atendente.
_ Você joga basquete, né? - Um cara na mesa ao lado resolve perguntar pra mim.
_ Já joguei, já joguei, agora não.
_ Ué, por que não?
_ Porque eu sabia jogar em pé, agora tenho que aprender a jogar sentado.
_ Tu faz o seguinte: pega uma quadra daquelas ali no Aterro e fica só treinando arremesso. Chuta uma, depois chuta outra... Daqui a pouco já tá craque.
_ É isso aí, deixa comigo.
_ Tá me reconhecendo não?
Nessa hora olhei pro Maninho. Buscava apoio pra situação, entende? Depois de uns momentos de hesitação, o cidadão mesmo respondeu.
_ Eu sou o PC!
_ ...
_ O PC, armador! Joguei quatorze anos no time de basquete do Flusão!
_ Ah, lembro sim. - Menti, pra não ficar chato.
_ Naquele tempo era diferente... A gente trouxe os cubanos....
_ Sei...
O camarada que estava com ele era um coroa de uns trezentos anos que (acho) tinha um olho de vidro. O problema era saber qual dos dois. Resolvi mirar no nariz enquanto ele falava. Era conselheiro do Fluminense, não diretor (fazia questão de distinguir).
_ ... aí o segurança não queria me deixar entrar na Gávea. Pode isso? Eu estava acompanhando meus atletas! Ah, eu perdi a paciência! Virei para ele e disse: "Escuta aqui, ô crioulo, eu vou entrar sim, está me entendendo?". Eu ia encher o negão de sopapo, minha senhora é que me segurou. Aqui sim, as pessoas podem se sentar e ter uma conversa agradável com gente educada. Flamenguista tem mais é que morrer!
Preciso dizer que eu sou um crioulo flamenguista? Achei melhor sonegar as informações antes que o nazista resolvesse me encher de sopapo também. Quando olhei pro lado, o PC estava com as mãos postas em minha direção.
_ Deixa eu tentar uma coisa. - Ele disse.
A partir daí se seguiram minutos intermináveis de uma fala ininteligível. Uma voz gutural dizia coisas sem sentido nenhum. O PC estava vermelho, parecia que ia explodir. O pior é que ninguém estranhava a cena, parecia a coisa mais normal do mundo. Chorando ele explicou (?) ter falado em aramaico. Deu vontade de falar e ele falou, simples assim. Antes que pintasse mais um da galera deles, dei um jeito de lembrar que tinha que ir ao barbeiro e saí batido. Afinal, maluco por maluco, sou mais falar de futebol e ficar ouvindo fofoca dos outros.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Eu vi o cu do gringo

Tinha resolvido que ia parar de contar história de gente maluca por aqui; podia parecer que eu vivo num manicômio ou coisa assim. Acontece que essa eu não resisti. Tem um monte de figura por aí, mas esse cara aloprou. Ele é um americano (acho) que vive no boteco aqui do lado de casa. Tá sempre de bermudão, colete e boné de baseball. A idade não saberia precisar: alguma coisa entre quarenta e cento e vinte anos. Tava de bobeira perto da banca de jornal quando me vem o doido.

_ E aí, cara, tudo bem?
_ Tudo, tudo bem e você?
_ Tranquilo. Sabe o que é? É que a gente tá sempre se encontrando por aí e nunca se fala. Qual é o seu nome?
_ Carlos. E o seu?
_ Andrew (?). Mas, o que que houve contigo aí, cara? - falou apontando pra minha cadeira de rodas - Sempre tive vontade de perguntar.
_ Ah, isso foi uma inflamação na medula e tal.
_ Sei... Cara, eu também ando passando por uns apertos aí.
_ É?
_ Sabe aquele cara que caiu um vergalhão na cabeça dele?
_ Vergalhão?
_ É. Passou no jornal e tudo
_ Ah, tá. O que que tem?
_ Então, fiquei na mesma enfermaria que ele. Tive um pico de pressão - não lembro quanto ele falou que tava, mas era alta pra cacete - e fui, sozinho, pro Miguel Couto. Peguei um táxi e fui sozinho pro Miguel Couto.
_ É mesmo?
_ É, pode acreditar. O médico disse que nós é dois cagão. De sorte, entende?
_ Entendo. Sortudos, né?
_ É, dois cagão. Outro dia tava lá também. Fui operar. - enquanto falava ia procurando algum arquivo no celular - Você não é de impressionar não, é?
_ Não. - só agora percebi que devia ter respondido que sim, eu sou de me impressionar sim.
_ Achei! Daqui a pouco eu te mostro. Eu liguei pro meu irmão e disse pra ele assim: "tô indo operar". Ele ficou nervoso pra cacete, mas eu disse: "não esquenta não que tá tudo certo". É que eu tava com uma ferida que ia do cu até o saco. E fui lá pra operar.
_ Ãh, sei...
_ Então, olha aqui.

Eu sei que não devia ter olhado, que só podia ser merda isso; mas eu olhei, tá? Olhei e me arrependi. Acho que nunca mais vou esquecer a imagem. Não tava muito nítida (graças a Deus), mas a foto mostrava a área em questão momentos antes da tal cirurgia. Close do inferno. Só que o cara não aparentou desconforto nenhum com a situação. Pelo contrário; parecia até meio orgulhoso do fato. E era um tal de "meu cu isso", "meu cu aquilo"; sem o menor constrangimento. Vai ver não ensinaram pro Andy nenhum sinônimo mais apropriado em português. Tudo isso balançando aquele celular como que rebolando pra todo mundo. Arrumei uma desculpa e fui embora antes que ele resolvesse mostrar mais coisa. Não me pergunte por que, mas fiquei com nojo de apertar a mão do cara na hora de ir. Então, é isso. E faz o seguinte: se você não tiver nada pra fazer e quiser dar uma sacada no cu do gringo, é só avisar que eu apresento o cara. Acho que ele vai ficar feliz com mais alguém dando aquela espiadinha nele.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Para-raio de maluco

   Essa é mais uma da série "Figuras que a gente encontra por aí". Estava no ponto esperando o ônibus quando passa, pelo outro lado da rua, uma tropa da guarda municipal. Eram bem uns cinquenta agentes. Aí me vem esse cara (que, acho, já estava me filmando há algum tempo).
_ Eu também sou guarda municipal.
_ Ahã...
_ Tô com perícia marcada pra amanhã.
_ Sei...
_ A médica na semana passada me deu alta, é mole?
_ É?
_ Mas eu já pedi revisão.
_ Ah, tá...
_ Amanhã eu vou chegar lá com cara de maluco. Já deixei a barba crescer e vou sem boné também. Eu ando sempre de boné - de fato ele usava boné; e bermuda e chinelo e camiseta -, mas amanhã eu vou com o cabelo todo desarrumado.
_ Faz isso mesmo...
_ Vou dar um tapa antes, mas não vou chegar doidão não; chupo uma bala Hall's e tal.
_ ...
_ Vou fazer cara de doido. - nem vai precisar fazer muita força.
_ Sei...
_ E você aí, o que é que houve? - disse isso examinando minha cadeira de rodas - Foi tiro?
_ Não, inflamação na medula...
_ Puutaquepariu.
_ ...
_ Mas não mexe nada? Não consegue nem esticar? - pegou minha perna direita e levantou.
_ Não...
_ E se eu largar a perna agora...
_ Ela cai!
_ Mas você reza?
_ Hã?
_ É, porque eu sou doidão assim mesmo, cheiro pra caralho, faço um monte de merda, mas eu rezo.
_ Ah, tá...
_ Tô indo lá no morro agora pegar um papel.
_ Vai lá, vai lá...
_ Mas eu vou orar por você, irmão.
_ É isso aí...
_ Qual é o seu nome?
_ Carlos, e o seu?
_ O meu é Nilton.
_ Falou então, Nilson...
_ Nilton.
_ Falou então, Nilton...
_ Falou. Eu vou orar por você, hein.
_ Eu também, meu camarada.
_ Você não vai subir o morro também não, né?
_ Não, pode deixar. E boa sorte lá na perícia, valeu?
_ Valeu.
   Ainda não encontrei o Nilton de novo, mas confesso que fiquei curioso pra saber se a estratégia na perícia deu certo. Vai que cola lá no meu trabalho também? Sei lá, bala Hall's...

segunda-feira, 11 de junho de 2012

UFC MMA: Áurea "Quebra Ossos" Vs Sem Noção da Silva

_ Escuta aqui uma coisa: você é uma tremenda cara de pau, hein? Podia muito bem descer pela escada rolante, mas não; acha que é mais esperta que todo mundo e fura a fila do elevador. Deu azar que a gente te encontrou de novo e agora vai levar uma coça pra deixar de ser vacilona!
Foi mais ou menos isso (tirando a parte de surra) que falou a dona Áurea, com dedo em riste, pra uma sem noção que passou a frente de todo mundo no shopping outro dia. Esses elevadores são pra uso prioritário (não exclusivo, é verdade) de pessoas com dificuldade de locomoção. O problema é que nos andares intermediários ele passa cheio e fica difícil entrar. A ascensorista, muito educadamente por sinal, pergunta se alguém se dispõem a continuar a subida pelas escadas, dando lugar a quem realmente precisa. A maluca deu uma de João sem braço e se infiltrou no espaço deixado apesar dos protestos de todos. Bancou a surda e ficou lá no fundão olhando pro teto. Ela e um palhaço que a acompanhava. Acontece que quando o elevador voltou na descida a cretina foi obrigada a dividir espaço comigo (cadeirante), dona Áurea (uma octogenária cidadã), um senhor de muletas e uma senhora de cento e dois anos e dois meses que saía de um almoço com a família. Da sova ela escapou, mas aposto que as palavras de dona Áurea estão ricocheteando na cabeça da abusada até agora.

domingo, 10 de junho de 2012

É aí que entram os dez centímetros

Todo santo dia eu sou obrigado a encarar a teoria da relatividade. Mas não é aquela do Einstein não. Como todo mundo sabe, tudo na vida é relativo, certo? Dez centímetros é muito ou pouco? Depende do que você vai fazer com eles. Eu estou na minha terceira cadeira de rodas. A primeira, na verdade, foi emprestada. Era uma daquelas de hospital, não dava autonomia nenhuma. Dependia de alguém me levar pra cima e pra baixo. Com a segunda já dava pra me deslocar por aí. Demora um tempo, mas a gente se acostuma. Depois então, mais esperto com a buraqueira das ruas, veio a hora de investir em qualidade de vida. A cadeira nova é mais leve, mais estreita, mais fácil de tocar. Engraçado que eu jurava que todo mundo fosse reparar. Saí pra rua nas primeiras vezes e ninguém notou a diferença. Todos viam a mesma de sempre e pra mim era como se tivesse trocado um Fusca por uma Ferrari. Novo período de adaptação. Apesar de mandar pra fábrica as minhas medidas e tal, fui na fisioterapeuta pra uma avaliação. E é aí que entram os dez centímetros. Por uma questão antropométrica, confeccionaram uma almofada quase um palmo mais alta que a original. Pode não parecer, mas faz uma diferença do cão. Sabe tripé de escola de samba? Pois é, me sinto como destaque em carro alegórico. É uma instabilidade meio chata; as chances de queda aumentam razoavelmente. Falando nisso, quando comecei a escrever esse post, só havia caído três vezes; ontem caí mais uma. Duas em casa, duas na rua. Todas elas por distração ou displicência; nada sério. Tem também que eu estou um tantinho acima do peso, mas não é porque eu esteja comendo um monte de bobagem e com preguiça de fazer exercícios. Na última consulta com a neurologista descobri que a culpa é do medicamento novo. Sabia. Só podia ser. Afinal, como dizia Madre Teresa de Calcutá: se você puder colocar a culpa em alguém, é exatamente isso que deve fazer.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Se os homi chegar a gente sai fora

Imagina um cara desafinado; mas, desafinado mesmo. Agora coloca nele fones de ouvido, óculos escuros (espelhados, coloridos, sei lá) e um bolo de panfletos de propaganda na mão. Pois é assim, cantando a plenos pulmões o pagode do momento, que trabalha esse camarada na estação do metrô aqui perto de casa. E não pensa que ele para de cantar pra atender a freguesia não. Isso porque acaba acumulando funções sempre que a menina da barraca de frutas tem que sair por algum motivo. A senhorinha se aproxima ("Esse mamão aqui ó, dá pra comer hoje?") e nosso amigo se limita a balançar a cabeça afirmativamente ("Meu amooooor / eu fico contenteeeee..."). Tenho reparado nesse mês a Guarda Municipal direto aqui pelo bairro. Parece que faz parte do choque de ordem do prefeito e tal. O patrulhamento ostensivo acontece sempre em duplas caminhando pelas ruas. Descobri que a minha casa faz parte do setor Charlie (ouvi um guardinha falando pelo rádio). Essa presença maciça é boa e tudo mais - outro dia um deles até parou o trânsito pra eu atravessar - só quem não deve estar gostando muito são os camelôs da região. Acabei de passar pela praça e ela estava vazia, vazia. Achei estranho, mas, logo que cheguei na esquina, me liguei no motivo. O rapa estava na área e não sobrou viva alma pra contar a história. Viva alma mais ou menos, né? Porque de trás de uma árvore a vozinha esquisita denunciava o malandro: Meu amooooor / assim não fico contenteeeee...

domingo, 20 de maio de 2012

Cadeirante é igual a PM

Hoje eu acordei meio rabugento; estava a fim de reclamar. E, como resmungar sozinho não tem tanta graça, resolvi fazer uma terapia de grupo virtual. Com vocês mesmos. Funciona assim: eu falo, falo, falo, vocês leem e quem quiser responde, que eu prometo que vou ler também. Beleza? Seguinte...
Lá fora está chovendo pra cacete. Está um pouco frio também. E quando o tempo está assim eu acabo ficando desanimado. Porquê? Porque chuva pra cadeirante só traz prejuízo. Se fosse só molhar, tudo bem. Acontece que molha, suja a manga da camisa - de lama - o chão fica escorregadio (sabe pedra portuguesa? Então). Sem contar que tem poça d´água pra todo lado, encobrindo a buraqueira que está aí pra todo lado, o trânsito fica pesado, o metrô fica lotado, enfim, um saco. Outro dia um carro passou e me deu um banho na calçada. Já ouvi um monte de sugestão: casaco, capa de chuva, roupa de motoqueiro, segunda pele, chapeu guarda-chuva, cadeira de rodas plastificada... E não é só dificuldade pra tocar a cadeira não, hoje em dia está realmente perigoso sair pela rua em dia de chuva. Desabou outro prédio no centro da cidade, ali onde acontece a Feira da Lavradio, parece que foi água acumulada no telhado. Com essas cheias em Manaus teve um cara que fez uma lancha com quatro geladeiras; de repente pode ser útil pra atravessar o acesso à praia de Botafogo, que fica inundado com qualquer chuvinha. De modo geral a gente se parece muito com blitz da polícia: quando chove você não vê uma. Rodar pelo Rio em certos dias, só mesmo se tiver compromisso marcado. Do contrário o lance é ficar em casa quietinho esperando o sol voltar.
Então é isso, já estou mais sossegado. E se você estiver ranzinza, mal-humorado ou simplesmente a fim de desancar alguém, fique a vontade pra deixar seu comentário. Ele será lido, respondido e desde já eu te adianto: você está certo, meu amigo, você está cheio de razão.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Passa o cadeirante aê!

Primeiro veio a Gangue das Louras, depois o Bando da Terceira Idade. Isso acabou me dando ideia. Resolvi criar a Quadrilha dos Cadeirantes. Vê só se não faz sentido: ninguém desconfia do coitado do deficiente. Hoje eu entro em agência bancária sem passar pelo detector de metais. Vem um funcionário e abre uma porta lateral pra mim. E pra viajar de avião? Também não me revistam. Vem um funcionário e abre uma porta lateral pra mim. Outro dia fui a um desses edifícios inteligentes, onde antes de entrar tem que passar no balcão pra tirar foto, fornecer dados pessoais, o escambau. Fui dispensado disso tudo. Veio um funcionário e abriu uma porta lateral pra mim. Ser invisível tem lá suas vantagens. Qualquer hora eu faço um teste: encho a mochila de arma, canivete, granada e entro num prédio desses só pra ver no que dá. Falta agora escolher a que modalidade de crime eu vou me dedicar. Pode ser terrorismo, golpe em caixa eletrônico, fraude em licitação... Pensando bem, com essa a gordinha fanfarrona já se deu mal no Fantástico. Melhor tomar cuidado com câmera escondida. Podia também tentar a sorte com as máquinas de bingo. Vou dar uma ligada pro Carlinhos Cachoeira... Acho que não... Foi num grampo desses que o Demóstenes rodou. Enfim, depois eu resolvo isso. Agora tenho é que selecionar uns três ou quatro camaradas pra tocar esse projeto de uma vez. Portanto, se você é cadeirante e está em busca de uma promissora carreira de crimes, favor enviar currículo com pretensão salarial para chefedaquadrilhadoscadeirantes@yahoo.com.br. Não exijo experiência, apenas boa vontade.


sexta-feira, 9 de março de 2012

Assento preferencial para obesos, gestantes, pessoas com bebês ou crianças de colo, idosos e pessoas com deficiência. Área reservada também para pessoas com deficiência visual acompanhadas com cão guia. Ausentes pessoas nessas condições, o uso é livre.

Voltei a estudar, já tinha dito? Pois é, voltei. Ainda estou apanhando um pouco pra administrar o tempo. Um pouco não, estou apanhando feio. O mais puxado na nova rotina é o trajeto de ida e volta até a faculdade. Pego o metrô e ainda o ônibus da integração na superfície. Nem preciso dizer que o trânsito é infernal. O trem no horário de pico também não fica muito atrás não. Os elevadores exclusivos são movimentados. Garotos indo e vindo da escola, senhores mal-humorados, senhoras sem o intestino grosso ("Meu filho, eu sou que nem pato, entendeu?"). Mas a ajuda vem de todo lado; normalmente sem avisar. Sabe aquele vão entre o trem e a plataforma que a voz no alto-falante vive avisando pra evitar? Um doce pra quem adivinhar onde enfiei as rodinhas da frente da bike. Outro dia quaaase virei com a cadeira dentro do vagão lotado. Não sei se eu que dei mole, se a mochila anda pesada demais ou se recebi algum auxílio afobado. Provavelmente, tudo isso junto. O que conforta é que circulando por aí a gente acaba conhecendo todo mundo. Nessa de se oferecer pra ajudar me apareceu certa tarde o Maninho. A roda da cadeira entrou numa de sair do eixo. Parei pra tentar consertar e vem o cara todo solícito. Sacou um martelo gigante de sua bolsa de ferramentas e começou a analisar a situação coçando a cabeça. Consegui me safar da marreta, mas ficou o contato. Desde então encontro com ele todos os dias que vou a rua. Virou amigo. E você, não está precisando de um faz tudo não?

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

O Marcelo Yuka é da facção do Ezequiel

_ Moço, compra um leite aí pra criança que tá com fome...
_ Pô, hoje eu tô sem dinheiro. Fica pra próxima, valeu?
_ Valeu, valeu, tá tranquilo. Melhoras aí pro senhor voltar a andar.
_ Falou, brigado.
_ Ô, Ezequiel, libera a frente aí prosôto passar.
_ Brigado aí, rapaziada.

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_ Você não é o vocalista do Rappa?
_ Oi?
_ O Rappa. Vocalista.
_ Não, não. Sou não.
_ Ah, tá. Pensei que fosse aquele, o Marceloo...
_ Yuka?
_ Isso, Yuka. Marcelo Yuka. Não é você não?
_ Não, não sou não senhora...
_ Mas é igualzinho...

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Já falei que parece que eu conheço mais gente hoje? Saio na rua e falo com todo mundo. Olhou pra mim e eu já vou cumprimentando. Pois é, acontece que às vezes essa popularidade acaba causando uma ou outra confusão. O Ezequiel lá de cima parecia ser o líder de um grupo de mais ou menos umas quinze pessoas. Acho que só tinha ele de homem. Cada uma das mulheres carregava uma criança no colo. Vinham pelos dois lados da rua. Os comerciantes locais, intimidados pela comitiva, acabavam contribuindo financeiramente. Como eu passei direto pelo pedágio, uma senhorinha que buscava abrigo na farmácia acabou confundindo tudo ("E aquele cadeirante ali, também faz parte da quadrilha?"). Na mesma tarde, esperava o sinal abrir pra atravessar a rua quando me vem a outra lá; me confundindo com o artista. O curioso é que eu acho que ela não acreditou em mim não. Mesmo depois que liberou a passagem ela continuou ali, no mesmo lugar, só me filmando de longe. Da próxima vez assumo a semelhança (que só ela viu) e saio dando autógrafo por aí. Vai que cola.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Suruba adaptada

Eu perguntei discretamente. Juro. Queria saber se podia usar o banheiro, mesmo tendo uma placa com símbolo de acessibilidade e tal. Só pra garantir. A resposta veio da tiazinha lá do outro lado do salão:
_ Pooode. Mas é o número um ou o número dois?
Disse isso sorrindo. Sabe aquela vozinha infantilizada que a gente usa pra falar com criança? Meio "o papá tá totozo, neném?". Então. Nem respondi; fui entrando. Todas as trinta pessoas no local voltaram a fazer o que estavam fazendo antes da cena. Mas banheiro pra cadeirante é um lance engraçado mesmo. Começa que nêgo acha que é depósito. A última cabine que usei tinha duas calças jeans (uma pendurada na porta, outra num cabide), um par de tênis, um retroprojetor quebrado, um cinto de couro, material de limpeza e um monte de cacareco jogado dentro de uma caixa térmica azul sem tampa. E o cheiro? Quase sempre é desagradável. Isso porque banheiro adaptado é a preferência nacional pra funcionários-que-estão-a-fim-de-soltar-um-barro-durante-o-expediente-de-trabalho. Já tive problemas com a luz também. Tem lugar onde a lâmpada apaga sozinha (aí é um tal de ficar balançando os braços numa coreografia ridícula pra ver se o sensor de movimentos resolve quebrar o teu galho). Outras vezes é um distraído que ao sair apaga a luz pensando que não tem mais ninguém no recinto. Por isso acabei pegando o hábito de mijar assoviando. As placas indicativas são meio confusas às vezes. Semana passada achei uma curiosa. A porta tinha o desenho de um cara ao lado de uma mulher ao lado de uma cadeira de rodas. Entrei, mesmo correndo o risco de deparar com uma suruba adaptada. Tem uma choperia na Barra onde o toilette feminino é junto com o de cadeirantes (masculinos ou femininos). Quando abri a porta tinha um bando de mulher nervosa querendo comer meu fígado. Já passei muito aperto. Cabine adaptada onde a cadeira não cabe, roda que sismou de quebrar na hora errada, funcionárias conversando à porta aberta do banheiro comigo dentro. Mas com o tempo a gente aprende e vai ficando esperto. Agora, retomando o assunto lá de cima, se é que ficou traço de curiosidade, esclareço: procurei o sanitário pra fazer o número um, ok? O número um.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

2012, ano redondo.

_ Psiu! Vem cá.
_ Oi.
_ Eu conheço você, não conheço?
_ É eu... Eu trabalhava aqui no prédio. Costumava usar essa entrada todo dia.
_ Sabia! Falei com as meninas lá dentro quando você passou.
_ Pois é...
_ E o que que aconteceu contigo, hein?
_ Olha, eu... fiquei doente ano passado.
_ Doente como assim?
_ Bom, diagnóstico, diagnóstico ainda não tem; mas é uma inflamação na medula, sabe?
_ Sei... Mas assim, do nada?
_ Pior que foi; um dia eu acordei com uma dormência nos pés e uma semana depois estava assim.
_ Caraca...
_ Pra você ver...
_ Deixa eu ir lá contar pro pessoal, eles não vão acreditar.
_ Vai lá...

Quando encontro um conhecido por aí, as reações são as mais variadas. Mas dá pra dividir em dois grupos básicos: os que querem saber de detalhes, como essa menina da segurança (não sei o nome dela, ela não sabe o meu, mas curiosidade não tem mesmo nome, certo?), e os que fingem que não tem nada de mais acontecendo (o cara fala contigo um tempão e não menciona que você está o tempo todo sentado numa cadeira que tem rodas – não é esquisito isso?). No início eu ficava meio desconcertado nessas situações (sei lá, de repente ainda fico um pouco), mas, na maioria dos casos, dá até pra se divertir. Encontrei com um monte de gente nesse ano que passou. Teve encontro de turma em Angra, amigo que mora fora que apareceu pra tomar um chope no meu aniversário, festa da afilhada, dos filhos do amigo de infância e ainda está pra rolar um encontrão de família. Vi gente que não via há anos, o que foi legal pra caramba. Mas esses são os mega eventos, dentro de uma certa previsibilidade. Os casuais são mais surpreendentes. Outro dia estava passando tranquilo pelo Largo do Machado quando ouço o grito:


_ Caduuu!
_ E aí, Carmem, como é que vai, tudo bem?
_ Eu tô bem, tudo certo. E você?
_ Beleza, beleza.
_ Cara, tava pensando em você ontem.
_ É mesmo, é? Por quê?
_ Ah, tava lembrando do pessoal lá do curso e tal. Fechou, né?
_ É, já tem um tempo.
_ Sabe, eu tô achando que esse ano vai ser legal, entende? Ano redondo: 2012.
_ Ahã, sei...
_ Hoje eu tô trabalhando numa casa aqui perto, aqui o panfleto ó. Aparece lá, vai te fazer bem.
_ Valeu Carmem, pode deixar, vou sim.
_ Falou Cadu, feliz ano novo, tudo de bom pra você, pra sua família.
_ Pra você também, Carmem, tudo de bom.


Quando cheguei em casa fui esvaziar os bolsos e deparei com o tal panfleto. Dizia textualmente:
Rio Therapy - Comfort Center.
A Rio Therapy é um espaço de massagem sofisticado, dedicado a lhe proporcionar conforto e bem estar, localizado em local discreto e agradável, nos bairros nobres do Rio de Janeiro. Nossas funcionárias são experientes, treinadas e capacitadas a lhe proporcionar momentos inesquecíveis de relaxamento e prazer.
Algumas de nossas massagens:
Massagem Tântrica com Lingam - massagem indiana destinada ao público masculino que sensibiliza e energiza todo o corpo, estimulando várias zonas erógenas do corpo, inclusive o lingam (pênis);
Massagem Tailandesa - massagem sensual realizada com o corpo da terapeuta que estimula e desbloqueia o fluxo energético do cliente;
Massagem Mix - técnica que engloba a massagem relaxante, a tailandesa, a tântrica e lingam.

Então tá, né? Feliz Ano Novo.