A vizinha aqui do prédio quer entrar pro Conselho Tutelar. Está fazendo campanha nesse trecho entre a guarita e o botequim. Todo dia. Eu não fazia ideia de que o cargo era eletivo, mas parece que é. Acontece que meu título não é daqui; voto na mesma zona eleitoral desde os dezesseis e, quando me mudei, nem transferi nem nada. Caí na besteira de falar isso pra ela. Agora a maluca vive tentando me convencer a mudar o lance pra cá e tal. Sua plataforma de governo até que é interessante - se o Serra fosse amigo dela não tinha perdido as eleições pra Dilma não. Como se sabe "todo mundo tem direito: o cadeirante tem direito, o preto tem direito, o cachorro tem direito". Eu não sei bem o que faz uma conselheira tutelar, só sei que a vida de todo mundo vai ficar muito melhor. O mendigo-que-fala-sozinho que está sempre aqui pela área acredita nela. A rapaziada do Cantinho da Cirrose também. Como já tem muita gente acreditando eu é que não preciso esquentar a minha cabeça. A Kátia já está praticamente eleita. Que bom, porque assim ela vai poder melhorar as calçadas do bairro, reduzir a inflação, negociar a paz no Oriente Médio...
"Aqui vamos contar as histórias que forem acontecendo (algumas são inacreditáveis), vamos dar dicas de locais com relação a acessibilidade, vamos elogiar e criticar, além de divulgar o que estiver acontecendo por aí. Então é isso: Acessível é diário, utilidade pública e entretenimento."
terça-feira, 31 de maio de 2011
terça-feira, 24 de maio de 2011
Até breve, Ezequiel
Estimado Carlos,
Infelizmente, e com certa vergonha, por nosso estabelecimento ser un tanto familiar, nao contamos com as instalacoes necessarias para recebe-lo.
Esperamos poder recebe-lo em breve.
Cordialmente,
Ezequiel
Infelizmente, e com certa vergonha, por nosso estabelecimento ser un tanto familiar, nao contamos com as instalacoes necessarias para recebe-lo.
Esperamos poder recebe-lo em breve.
Cordialmente,
Ezequiel
Eu poderia ficar aqui tentando explicar como pode ser surreal encontrar um hotel que te receba quando se é cadeirante, mas acho que o Ezequiel faz isso bem melhor do que eu. Mandei emails pra todos os hoteis de Angra dos Reis. Todos. Falei ao telefone com uma dúzia de atendentes. E o resultado era sempre esse lance de "não tenho como atender e tal" ou a diária era cara demais (tipo R$ 719,00 + 2% de ISS). Acabei conseguindo uma pousada que tinha "só um pouquinho de escada". Pra chegar na Waterfront você tem duas opções: vai nadando ou encara 24 degraus até a recepção. Acho curioso que, em uma cidade super ligada ao turismo, o setor hoteleiro não faça ideia do que seja acessibilidade. Bicho, não é aqui que vai ter copa do mundo? Olimpíadas (e paraolimpíadas) também. Vão deixar pra se estruturar quando? Aqui no Rio é a mesma coisa; antes de sair pra algum lugar tem que ligar pra saber se tem banheiro, rampa, o escambau. Sem contar as aberrações - rampa com degrau, banheiro adaptado onde não cabe cadeira de rodas. O evento foi show de bola, revi amigos de muitos anos, realmente valeu a pena. Agora, voltar a Angra...
sexta-feira, 13 de maio de 2011
Uma tarde no Hospital da Lagoa
Cheguei lá por volta das 13:30h. Não estava nem tão cheio, era o quinto na lista de atendimento pra doutora Cláudia. Às 14:00h ela começou as consultas. Fiquei ali lendo meu livrinho numa boa. É um entra e sai danado naquele consultório. Deu 15:15h quando saiu o primeiro paciente. Fiquei pensando: acho bom caçar um banheiro porque daqui a pouco está na hora do meu CAT. Banheiro é modo de dizer porque a cadeira não entra na cabine nem por decreto. Abordei cinco enfermeiras até conseguir uma, a Rosário, que se desse o trabalho de descolar uma salinha reservada pra mim. 16:15h e eu estava de volta à área de espera. Perguntei pra minha mãe se tinha saído alguém da sala. Nada. Voltei à minha leitura. Lá pelas tantas a médica transferiu dois de seus pacientes pra serem atendidos por duas assistentes dela. Minha vez chegou quando bateu 19:00h. Claudinha passa por mim e fala: aguarda aqui um instantinho só que eu vou ali ver um negócio. A conversa no corredor levou mais meia hora; eram aqueles representantes de laboratório que têm toda prioridade nesses casos (é preciso tratar bem esse pessoal). Na sala havia oito pessoas: eu, minha mãe, Cacau e cinco alunas, residentes, estagiárias, sei lá o que são essas meninas de jaleco. O papo furado de sempre foi interrompido um monte de vezes por alguém que entrava ("E aí, Clau, você também vai naquele congresso em Buenos Aires? Urruu!"), pelas conversas paralelas ("Aposto que ela já casou grávida.") ou questões ainda mais importantes ("Tô indo na cantina, quem vai querer o que?"). Às 20:20h a enfermeira concluia as instruções para utilização do medicamento totalmente novo pra mim que Claudete não teve a decência de me explicar como funciona ("Ah, vê lá com a Luzia porque é tanto remédio que a gente não tem como guardar tudo, né?"). A próxima consulta está marcada pra 27/07.
quarta-feira, 11 de maio de 2011
Coitado do moleque
Rodar por aí pela rua pode ser bem engraçado às vezes. Tem a vizinha que te acha “muito saidinho” (“num tá independente demais ele não?”). Tem a rapaziada do boteco que faz questão de falar contigo – tudo que é cachaceiro vira teu amigo de infância. Costumo sair pra um rolé pelas redondezas de vez em quando. É bom pra treinar passagem pelos obstáculos naturais urbanos. Minha mãe é companhia frequente. Essa semana o bebum virou pra ela e começou a reclamar (“tem que ajudar o cara, mané, tem que ajudar o cara”). Camarada, poupa a velha. Alivia porque ela está só me acompanhando. Ando com a sensação de que o Rio é que nem cidade do interior: todo mundo se cumprimenta; alguns até param pra conversar, mesmo sem te conhecer. Já ouvi muito deficiente que tem vergonha de sair porque as pessoas ficam olhando. Ficam mesmo, mas pode ser por vários motivos. Pode ser por curiosidade, pode ser por distração, pode ser que te conheça e não lembre de onde, pode ser paquera (por que não? Pode sim), pode ter gostado da tua camisa, pode até ser por pena, mas e daí? Eu, particularmente, não esquento muito minha cabeça com isso não. Acho que quanto mais a gente sair, mais natural vai ser pra todo mundo. Outro dia no metrô tinha um cara que parecia enrolado pra guardar suas coisas na mochila. Solidariedade de cadeirante, perguntei se precisava de ajuda. Tomei um fora. Eu e todo mundo que falou com ele. Aproveito a oportunidade pra esclarecer: Companheiro, eu não estava te seguindo; a estação que é grande e a saída é a mesma pra todos. Falando em gente esquisita teve aquela da mulher, o garoto e o carrinho de brinquedo. Esperando o elevador ela me vem com essa:
_ Ooolha, Juniiinho, o carrinho do moço é igual ao do neném.
_ Igual, igual – repetia Juninho apontando pra minha cadeira de rodas.
_ Éééé... Quando o neném crescer vai ter um igualzinho ao dele.
Tomara que não, Juninho, tomara que não.
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