_ Ih, Margarete, lascou!
_ Lascou o que, Sandra de Deus, você tamb... Ih, lascou...
_ Você pode fechar a porta pra mim, por favor?
_ Olha, moço, num pode ficar com a porta aberta assim não, tem a luz vermelha aí fora que quando tá acesa a gente num entra, mas quando tá apagada, aí a gente entra, porque a gente tá trabalhando e num tem como adivinhar que tá ocupado e se eu soubesse eu num entrava, mas como eu num sabia como é que eu ia adivinhar? E tem também que...
_ Então, você pode fechar a porta pra mim, por favor?
_ Tá, mas, da próxima vez, aperta duas vezes esse botão aí de dentro que a porta fecha e tranca e acende a luz vermelha aqui fora e...
_ Aperto sim, aperto sim, podeixar...
_ Acorda, Sandra, fica aí que nem uma estátua, se mexe, guria, aperta esse botão logo de uma vez que o homem quer usar o banheiro, coitado, e aproveita e...
Autocateterismo Vesical Intermitente Limpo. É assim que muitos cadeirantes fazem xixi. E digo muitos porque cada caso é um caso. Dependendo da altura da lesão medular (se é que é esse o caso), tem gente que tem mais ou menos sensibilidade. Simplificando, trata-se da introdução de uma sonda uretral até a bexiga a fim de retirar a urina. A gente faz o CAT umas cinco vezes ao dia. Não dá pra sentir se o tanque está cheio, entende? Então o lance é controlar a ingestão de líquido. O procedimento envolve todo um material: gaze, lubrificante, álcool gel, saco coletor, água boricada. É só levar em um kit portátil e fica tudo certo. Com a prática dá pra fazer em quinze, vinte minutos. Eu estava no aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, e já tinha usado o banheiro do andar de desembarque. Amplo, barras de apoio padrão, pia na altura adequada, tudo certinho. O problema foi no retorno pro Rio. Antes do embarque, fui fazer o CAT velho de guerra. Glorinha ficou tomando um café enquanto eu me dirigi ao toilette. A disposição era a seguinte: tinha o masculino, que era ao lado do feminino, que era ao lado do adaptado. Parecia igualzinho ao outro que eu já conhecia. Parecia. Meti a mão na porta e ela estava trancada. Tinha visto um cara limpando o lado masculino e fui lá pedir uma força. Ele soltou um grunhido e saiu andando. Eu atrás. Não tinha reparado, mas havia ali um botão na parede, que ele apertou e a porta se abriu automaticamente. Abriu não, escancarou. Agradeci e entrei feliz. Novo grunhido. A porta fechou sozinha, o que me fez ficar pensando em como era bacana esse sistema e tal. Estava no meio do CAT quando a tal da porta abre de repente.
_ Ih, Margarete, lascou...