quarta-feira, 27 de abril de 2011

A casinha da luz vermelha

_ Ih, Margarete, lascou!
_ Lascou o que, Sandra de Deus, você tamb... Ih, lascou...
_ Você pode fechar a porta pra mim, por favor?
_ Olha, moço, num pode ficar com a porta aberta assim não, tem a luz vermelha aí fora que quando tá acesa a gente num entra, mas quando tá apagada, aí a gente entra, porque a gente tá trabalhando e num tem como adivinhar que tá ocupado e se eu soubesse eu num entrava, mas como eu num sabia como é que eu ia adivinhar? E tem também que...
_ Então, você pode fechar a porta pra mim, por favor?
_ Tá, mas, da próxima vez, aperta duas vezes esse botão aí de dentro que a porta fecha e tranca e acende a luz vermelha aqui fora e...
_ Aperto sim, aperto sim, podeixar...
_ Acorda, Sandra, fica aí que nem uma estátua, se mexe, guria, aperta esse botão logo de uma vez que o homem quer usar o banheiro, coitado, e aproveita e...
Autocateterismo Vesical Intermitente Limpo. É assim que muitos cadeirantes fazem xixi. E digo muitos porque cada caso é um caso. Dependendo da altura da lesão medular (se é que é esse o caso), tem gente que tem mais ou menos sensibilidade. Simplificando, trata-se da introdução de uma sonda uretral até a bexiga a fim de retirar a urina. A gente faz o CAT umas cinco vezes ao dia. Não dá pra sentir se o tanque está cheio, entende? Então o lance é controlar a ingestão de líquido. O procedimento envolve todo um material: gaze, lubrificante, álcool gel, saco coletor, água boricada. É só levar em um kit portátil e fica tudo certo. Com a prática dá pra fazer em quinze, vinte minutos. Eu estava no aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, e já tinha usado o banheiro do andar de desembarque. Amplo, barras de apoio padrão, pia na altura adequada, tudo certinho. O problema foi no retorno pro Rio. Antes do embarque, fui fazer o CAT velho de guerra. Glorinha ficou tomando um café enquanto eu me dirigi ao toilette. A disposição era a seguinte: tinha o masculino, que era ao lado do feminino, que era ao lado do adaptado. Parecia igualzinho ao outro que eu já conhecia. Parecia. Meti a mão na porta e ela estava trancada. Tinha visto um cara limpando o lado masculino e fui lá pedir uma força. Ele soltou um grunhido e saiu andando. Eu atrás. Não tinha reparado, mas havia ali um botão na parede, que ele apertou e a porta se abriu automaticamente. Abriu não, escancarou. Agradeci e entrei feliz. Novo grunhido. A porta fechou sozinha, o que me fez ficar pensando em como era bacana esse sistema e tal. Estava no meio do CAT quando a tal da porta abre de repente.
_ Ih, Margarete, lascou...

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Gramado

Trabalho da Gloria + promoção da TAM = fim de semana em Gramado/RS, mais conhecida como O Mundo Encantado do Coelhinho da Páscoa (parece que o Papai Noel também mora por lá). Gostei da cidade, não conhecia. É quase tudo plano, com calçadas e acessos tranquilos de transpor. A maioria dos estabelecimentos está preparada pra receber o turista cadeirante, tem rampa pra todo lado. Tudo bem que às vezes são meio íngremes, mas a intenção, claríssima, é receber bem todo mundo que chega à região. Sabe o que eles têm por lá? Os chamados Sanitários Públicos. Bem na praça central, um banheirão de uso – gratuito – aberto aos passantes. Está aí uma boa sugestão pra prefeitura daqui do Rio. Simplesmente não existe sinal de trânsito, acredita? Basta o cidadão colocar o pé (no meu caso, a roda) na faixa de pedestres e os carros param automaticamente. Parece Europa. Dá até vontade de ficar, só de sacanagem, indo e voltando pela rua pra testar o sistema – carioca é tudo espírito de porco, né não? Tem um programa num posto de gasolina, o Cidadão Capaz, onde metade dos funcionários são deficientes. Completa acessibilidade para empregados e clientes. Ainda não tinha visto essa iniciativa em outros lugares. Muito bacana. A gente ficou hospedado no Hotel Villa Bella, que possui certificado de Acessibilidade Total para hotelaria do Instituto Pestalozzi. Atendimento padrão, dá pra circular por todas as dependências comuns. Quarto acessível, piscina acessível e transporte acessível – e gratuito – para o centro. Muito legal a viagem, mas, se eu der mole, vou ter que trocar minha cadeira pra uma tamanho GGX Mega Master Plus. Foi um tal de chocolate quente, chocolate com chantilly, ovo de chocolate, coelho de chocolate...

Um apelo aos engenheiros e arquitetos

    Recado da Glorinha:


      Prezados e queridos engenheiros, por quê? Por que vocês odeiam as rampas?
     Eu queria muitíssimo uma explicação técnica que dissesse o porquê da escolha do degrau ao invés da rampa. Será que é lei? Por favor, algum engenheiro me ajuda? Ah, pode ser arquiteto também.
     Todas as vezes que vamos a um lugar novo (por novo entenda-se uma construção nova ou que passou por uma reforma) eu com meu jeito otimista já penso: “tranquilo, lá terá rampa, lá terá acessibilidade”. S-E-M-P-R-E me engano! Como, em pleno século 21, um profissional faz um projeto sem acessibilidade? Uma rampa gasta mais cimento que um degrau e o orçamento do cliente é justo? Seria isso? Nem estou pedindo elevador; seria advanced demais.
    Será que a solução seria pedir ao MEC que inclua na grade dos cursos uma matéria obrigatória de “projetos com acessibilidade”?
      Enquanto meus queridos não me escutam vou malhando o braço entre um degrau e outro.
     PS.: Estou escrevendo esse texto depois de ultrapassar três enormes degraus do POP (Polo de Pensamento Contemporâneo). Um centro de estudos lindíssimo, com conteúdo de primeira, mas que, em sua reforma, não se preocupou com o acesso. Que pena.
     www.polodepensamento.com.br?
     Engenheiros, arquitetos, please!

terça-feira, 12 de abril de 2011

Só se for dis costa

Todo mês eu faço tratamento numa clínica ali no Humaitá. Todo mês ele está lá, na espreita, só me esperando. Não sei por que, mas o porteiro da São Carlos não vai com a minha cara. É só eu apontar no estacionamento e ele já abre aquele sorrisão. Mete a boina de sargento e vem comandar a manobra. “Minha senhora, segura a porta aí pra mim” – e a minha mãe obedece. “Ô rapazinho, recolhe esse braço que sou eu que tô conduzindo” – e eu obedeço. “Primeiro andar, né?” – e o elevador obedece. Na saída é a mesma coisa. “Pode deixar que eu desço a rampa na boa” – já tentei argumentar. “De jeito nenhum, ficou doido?” – assumindo a direção. “Mas não dá para ser de frente?” – ando meio rebelde. “Dis costa, pra sua própria proteção, dis costa” – fim de papo. Teve uma vez que eu tentei passar na encolha. O cara pulou que nem um gato e parou na frente da porta:
_ Terminou a medicação?
_ É, né... Só ia manobrar aqui ó.
_ Podia ter manobrado ali atrás. – fez cara de Capitão Nascimento e finalizou – Mas não vai de frente não, questão de segurança.
Por algum motivo as pessoas pensam que o modo correto de se conduzir uma cadeira de rodas por um obstáculo é sempre de costas. Depende. Se você está sozinho, conduzido, se é rampa, se é meio fio. Versão resumida: rampa, sempre de frente; degrau subindo, sozinho frente e conduzido ré; descendo é o contrário. Entendeu? Pois é, desse jeito nem eu. Mas, pode crer, com a prática a gente acaba indo no automático. Está todo mundo sempre querendo ajudar. Fica até difícil dizer que não precisa, que eu estou só dando um rolé por aí. Você sai para se exercitar um pouco, dar uma treinada no Aterro e lá vem o tiozinho metendo a mão na cadeira. Outro dia recusei ajuda e o coroa não gostou; fez cara feia e saiu resmungando.
Nem disse que meu amigo porteiro trabalha em dias alternados, disse? O final do tratamento caiu na folga dele. Liberdade! Aproveitei a chance e saí do hospital para dar uma volta pela área. Quem sabe uma olhadinha na Lagoa? Até que veio uma moça perguntando se eu precisava de ajuda e um maluco que nem perguntou nada, já saiu empurrando. O cidadão falava demais (“tô acostumado com isso, meu amigo amputou a perna”) e simplesmente não adiantava tentar explicar que eu não precisava de forcinha nenhuma (“você não amputou a perna não, né?”). Ainda acho que o porteiro deixou o primo dele na esquina, na espreita, só esperando eu passar desacompanhado pela rua. Vai por mim, é combinado.
Foi quando eu olhei direito para a moça, que ainda estava nos acompanhando, e percebi que era aquela atriz, a Isabela Garcia. Então eu matei a charada: atriz da Globo e o sem noção falador, só pode ser pegadinha. Devia ter alguma câmera escondida esperando a hora do Faustão aparecer. Por falar nisso, alguém aí viu se eu apareci no programa domingo?