sexta-feira, 2 de setembro de 2011

No colo do Robocop


O diálogo a seguir deu-se na estação do metrô Nova América/ Del Castilho. Ocorreu precisamente entre o primeiro e o último degrau da escada de acesso à plataforma de embarque sentido zona sul. Sem elevador ou escada rolante disponíveis no local, o meio utilizado para o deslocamento de cadeirantes é o Super-Trac TRE-52, o que o fabricante - Access Plus Elevadores - diz ser uma plataforma portátil para cadeiras de rodas. O popular Robocop é uma geringonça (misto de esteira, rampa e tripé móvel) que faz todo mundo suar frio toda vez que é utilizada. A gente estava descendo: o funcionário De Souza, o Robocop e eu.
            _ Você mexe as pernas, né?
            _ Não, amigo, eu não mexo não.
            _ Mas eu vi você mexendo agora.
            _ Cara, deve ter sido impressão sua porq...
            _ Vi sim, mexeu sim!
            _ Meu camarada, se foi assim mesmo eu vou dar uma festa hoje que só vai acabar segunda-feira; uma rave.
            _ Ãh, sei... Mas foi o que isso aí, acidente?
            _ Não. A minha medula está inflamada.
            _ Mas você tá por dentro desses rolo lá no congresso lá?
            _ ...
            _ Esse lance de célula tronco. Mas não vai dar certo não. Esses cara é tudo safado, só quer saber de dinheiro. Hoje em dia é tudo dinheiro. Queria ver se fosse com a mãe deles.
            _ Sei...
            _ Tive uma prima que morreu de AIDS. Vinte e quatro anos. Mas ela não guentô não. Depressão, sabe? Enfiou a cabeça na torneira de água fria, teve tuberculose, ficou cega, perdeu cabelo.
            _ Er... Nova ela, né?
            _ Aqui tem o Adriano.
            _ Adriano?
            _ Aquele. Funcionário com a gente aqui. – ele estava se referindo a um rapaz, cadeirante mal humorado, que trabalha na estação também.
            _ Er... Novo ele, né?
            _ Ele teve um negócio aí congênito. Ele e o irmão. O irmão tá pior que ele. Brigava com geral nos baile. – nessa hora ele parou e deu uma gingadinha; como quem está brigando, entende? – E cego? Cego é pior, né não? Entre o seu problema e ficar cego, eu sou mais o seu. Você só não pode andar, agora cego... Cego não enxerga. É por isso que eu não brigo com ninguém, trato todo mundo bem, certo?
Nisso o trem chegou. O cara me ajudou a entrar e ficou parado na estação; acenando e sorrindo pra mim atééé a composição se afastar.
Tem gente que faz amizade fácil, não?

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