sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Cara de sorte

Acabei me acostumando com a situação, a cada vez que conto os acontecimentos recentes da minha vida: no espaço de uma semana eu perdi os movimentos e a sensibilidade nos membros inferiores, do tórax para baixo. Assim mesmo, de repente. Aos 37 anos, sem nunca ter tido qualquer problema de saúde, me vi paraplégico. E sem diagnóstico conclusivo. O interlocutor me encara com uma expressão que é misto de espanto e cumplicidade. Assim que dá, mudo de assunto e tudo certo. Não vou negar que tenha passado pela cabeça aquela história de "por que logo eu?", "que foi que eu fiz para merecer isso?". Confesso que cheguei a sentir pena desse cara tão azarado. Acontece que outro dia a tal expressão veio de uma moça tetraplégica, por sofrer um acidente de carro, que capotou quando ela e o namorado estavam a poucos metros de chegar em casa. Na esquina de casa. Só aí a ficha caiu. Eu sou mesmo é um iluminado. Agradeço todos os dias pela sorte que tenho na vida. Sorte pela esposa maravilhosa que tenho. Pela família, pelos amigos maravilhosos que tenho. Sou um privilegiado por ter um emprego, plano de saúde. Por ter sido bem orientado desde o início. Por morar num bairro onde posso me deslocar, onde a acessibilidade é bem razoável. Achava meu caso único, o mais incrível da história dos casos incríveis. Eu só parei de andar. Sem a dor envolvida numa batida de carro, um mergulho mal sucedido ou um tiro na coluna. Sem o trauma que deve vir junto. Tenho ouvido muitas histórias ultimamente, histórias de vida, de superação. E, até para minha surpresa, nunca com o peso da revolta. Sempre com um sorriso no olhar. Não vejo referência a tristeza. E é a essas pessoas que agradeço, de coração. A cada uma delas.

Um comentário:

  1. Pois é... Pode parecer estranho para a maioria das pessoas, mas a cada semana no SARA, em cada bate papo de corredor (que são muitos pq eu converso com todo mundo), ouvimos tantas histórias que a "nossa" fica tão pequenina. É tão ruim e tão bom.

    Ahhhhhhhhhh se a maioria das pessoas pudessem ouvir estes depoimentos, perceberiam que não há problemas, que tudo tem solução e que não vale a pena sofrer por pouca coisa. O mundo seria melhor.

    Ainda bem que sou privilegiada e pude descobrir isto. Gloria

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