quinta-feira, 31 de março de 2011

Só atualizando

Preciso fazer algumas observações aqui - até por uma questão de justiça.
Pois bem, então:
as atendentes retornam, sim, os contatos telefônicos;
estão aí Gorete e Giovana que não me deixam mentir;
essas não são nem faladeiras;
graças à dedicação delas vou ter como fazer os cursos que eu queria no Liceu e no POP;
as escadas continuam lá, mas vai dar para ser;
continuo na batalha é com a Moviola e a Estação;
talvez desista da primeira, mas na outra ainda vou tentar um pouco mais;
pintou até outro lance agora, um clube de leitura;
ainda não responderam meu email;
também sem novidades das academias.
Ok, era isso. Só atualizando.



segunda-feira, 28 de março de 2011

Cê deixa o telefone que a gente te retorna, tá?

O primeiro contato, normalmente, é por telefone. A atendente, normalmente, fala pelos cotovelos. Ela te dá o preço do curso, sai dizendo os horários ("o professor é ótimo"), quando a turma começa ("na verdade já começou, mas claro que ainda dá para entrar"). Consigo uma brecha e pergunto:


_ Então, Jéssica, é que eu sou cadeirante e queria saber como é o espaço aí com relação a acessibilidade e tal.
_ ...
_ Jéssica?
_ Só um instantinho que eu vou chamar o Fabiano pra falar com você, tá?


Tem um curso sobre Machado de Assis no Liceu Literário Português de Laranjeiras; um outro sobre cinema e arte no Polo de Pensamento Contemporâneo (POP); oficina de conto na Estação das Letras; de criação literária e História na Moviola. Todos eu estou a fim de fazer. Não deve rolar nenhum. E sabe o motivo? Falta de acesso. Uma escada ou uma porta estreita são suficientes para embarreirar geral. Ainda têm as academias, no caso Upper e Max Forma, onde o problema nem é circular pelo salão. Acontece que nunca ninguém tentou malhar nesses lugares em cima de uma cadeira de rodas - adianto que não tem muita diferença entre quem está de pé e quem está sentado.
Acho que estou chegando a uma nova fase nessa tentativa de reintegração ao mundo. Se a ideia é ir a um restaurante, tem o acessível e o não-acessível. Escolhe o primeiro e bom apetite. Evento com rampa ou evento sem rampa? Evento com rampa. Beleza, mas e quando o negócio é mais específico? O curso que eu quero fazer é aquele. Naquele lugar. O show é daquela banda e não da outra. O seu tio mora naquele prédio, aonde você não consegue entrar sozinho. Visita o cara como? Todas são instituições privadas, não têm obrigação de me receber. Só esperava que tivessem uma postura mais inclusiva. Até porque estamos falando de ambientes onde se discute a sociedade em que vivemos. Estamos falando de professores. De Educação.
A maioria das adaptações necessárias são bem simples, coisa boba. É uma porta que abra para fora, uma rampinha (móvel que seja), um batente mais largo. Pequenas mudanças que fazem toda a diferença. Falta informação. A gente está só começando a pensar uma cidade mais acolhedora. Pedi um laudo lá no SARAH e estou levando para os caras da malhação. De vez em quando mando um email para os coordenadores dos cursos (que ficaram de adequar os respectivos espaços). A tática é insistir, com jeito e educação, mas insistir. Sei que corro o sério risco de parecer chato, mas não vou desistir não. Acho até que amanhã vou tomar um café com a minha amiga Jéssica...

terça-feira, 22 de março de 2011

Falta do que fazer dá nisso

O tempo está meio chuvoso desde o carnaval, não é? Assim, eu acabo ficando mais em casa que de costume. Mais casa, mais internet. Mais internet, mais ideia errada. Estava vendo uns vídeos demonstrando passagem para carro e tal. Os caras transferem na maior facilidade. Aquilo já foi me invocando. Tinha um maluco descendo escada. Outro subindo. Escada rolante, escada parada. Descendo empinando. Enfim, vagabundo faz o diabo em cima de uma cadeira de rodas. Me empolguei e fui para a garagem treinar. Não tinha como dar certo, tinha? Resultado: perna enfaixada e compressa de gelo. Vou botar a leitura em dia e ficar longe do You Tube que é o melhor que eu faço.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Porra, bicho, que merda, hein?

Reunião dos amigos das antigas. No começo fica todo mundo ao seu redor querendo falar ao mesmo tempo. Aos poucos o pessoal vai dispersando. Tem aquele que cola do teu lado e não sai nem por decreto. Tem também quem fique de longe. Lá vem o cara te tratando cheio de dedo. Fala baixinho, como se fosse segredo. Há os que ficam perguntando pela lesão e os que fingem que nada aconteceu. O tempo vai passando e a rapaziada começa a se soltar. E o que fica falando, falando, que nem uma metralhadora? Alguns adotam um tom grave para conversar contigo, entende? Parece que estão apresentando o Jornal Nacional. Até que vem um, senta do teu lado, dá um gole na cerveja e manda:
_ Porra, bicho, que merda, hein?
_ É. Que merda...
Vai embora e chega o outro:
_ Que merda, hein?
_ Ô...
Um terceiro aparece, senta e fica mudo. Aí, sou eu que digo:
_ Que merda, hein?
_ Pode crer... Que merda!
Cada um é de um jeito. Cada um reage de um jeito. Os contadores de causos ficam lembrando histórias do passado. Com detalhes que nunca existiram. A cada encontro elas ficam melhores.
_ Mermão, tava sem coragem de te ver...
_ Porra, mas por que que foi acontecer isso logo contigo? Tanto muquirana por aí...
Queria que eles soubessem que eu estou bem. Bem de verdade. Acho que no início é assim mesmo, com o tempo acostuma. Com o tempo tudo se ajeita.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Papo de botequim

Estava no boteco aqui do lado de casa e eis que ele me abordou. Esticou a mão para cumprimentar e perguntou se eu estava bem. Respondi que sim e devolvi a pergunta:
_ E contigo, tudo certo?
_ Mais ou menos, né... Acabei de enterrar meu pai. Ele tava no ônibus e infartou...
_ Bicho, não sei nem o que te dizer... Meus sentimentos...
Nunca tinha falado com ele. Sei que mora no meu prédio, mas nunca tinha falado com ele. Até imagino como estava se sentindo. Perdi meu pai quando tinha mais ou menos sua idade. O cara estava sozinho. Parece que a mãe já estava descendo. Devia estar querendo conversar... Não sei que link ele fez para me escolher em meio a tanta gente. Acho que rola uma afinidade entre quem passa por dificuldades. A gente se torna meio cúmplice na hora do aperto. É como se me dissesse: "Eu tô te vendo aí nessa cadeira. Sei que tá sendo difícil. Mas olha, eu tô sofrendo também". Pensava nisso enquanto ele falava. Não disse seu nome, nem perguntou o meu. Foi ideia do pai que chegasse do enterro e parasse num bar para tomar uma cerveja com os amigos. Parece que virou meu amigo agora. O chope de hoje foi um pouco em homenagem ao pai do garoto. Portanto, um brinde a eles!

quinta-feira, 17 de março de 2011

Parceiros de caminhada

O lugar é bonito, design arrojado. Estrutura nota dez. Muito limpo também. Acessível em cada detalhe. Os funcionários são educados a começar pelo(a) telefonista que te liga para marcar o atendimento - sim, são eles que te ligam. Lá o horário é cumprido (se a consulta está marcada para as dez, ela começa às dez). Equipamentos de ponta estão à disposição. Os profissionais são bem formados e informados. Acredita que eles estão abertos ao diálogo? O programa que eles desenvolveram me parece bastante adequado, para mim faz todo sentido. Eles fazem intercâmbio com colegas de outras unidades, em outras cidades, outros países. O ambiente acolhedor propicia interação entre os pacientes. Além de ser tudo absolutamente gratuito, eles ainda doam equipamento. Não. Esse lugar não fica na Suíça. Estou falando da Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação.

quarta-feira, 16 de março de 2011

O negócio é levar vantagem em tudo, certo?

O bom blog Ser Lesado (serlesado.com.br), do Leandro Portella, postou hoje a seguinte matéria: "Motoristas estacionam carros em vagas de deficientes sem medo de serem multados". Me recusava a acreditar que acontecesse esse tipo de coisa, mas, infelizmente, ocorre sim. Já presenciei algumas vezes. A pior delas foi no estacionamento do Fashion Mall. Imagina o shopping lotado. A gente rodava, rodava e não achava nem uma vaguinha. Já estávamos pensando em largar o carro na rua mesmo quando vi o malandro embicando na vaga para cadeirantes. Pedi para Glorinha dar uma parada e fiquei só olhando. Me sai do carro um camarada, esposa e uma menina de uns dez anos. Abordei o cara e ele disse que também era deficiente e tal. Foi embora e só aí se lembrou de começar a mancar, é mole? Caso típico da Lei de Gérson. Tudo bem, se é esse o exemplo que o cretino quer dar para a filha... Guanabara, Etna, Extra, Feira de São Cristóvão. Presenciamos exemplos de desrespeito à lei mesmo quando há vagas de sobra. O fato se dá simplesmente para ficar mais próximo da entrada. A cartilha do IBDD orienta que chamemos, nesses casos, a polícia ou a guarda municipal. Afinal, tem doido por aí que ainda agride deficiente que reclama seus direitos.
Em tempo: "de acordo com o artigo 181 do Código de Trânsito (CTB), estacionar um veículo em desacordo com a sinalização, como placas de estacionamento, é infração leve, sujeita à perda de três pontos na carteira, aplicação de multa e remoção do veículo".

Nilza Rezende: E a gente não pensa nisso, absurdamente

Nilza Rezende: E a gente não pensa nisso, absurdamente: "Dos comentários ao post de ontem: Carlos Eduardo disse... Professora Nilza, como vai? Tentei me matricular na oficina do conto que começa..."

terça-feira, 15 de março de 2011

Cadeirante ecológico

Dia Mundial dos Direitos do Consumidor é para parar e pensar se estão te tratando bem por aí. Estava folheando a Veja Rio dessa semana e deparei com a seguinte chamada: "Restaurantes investem em reciclagem, economia de energia e acesso para deficientes, entre outras medidas consideradas ecologicamente corretas". Espera aí, acesso para deficiente é questão de ecologia? Ganhou minha atenção, agora eu vou ler essa matéria. O título: "Quanto custa ser do bem - Restaurantes investem em medidas verdes e ecologicamente corretas". Já sei, já sei, vocês vão dizer que eu pego no pé da Veja Rio, não é? Mas olha só, acompanha comigo. Os caras dizem que a Casa de Cultura Laura Alvim é acessível (favor conferir o post "Vá ao teatro (e me chame)"). Outra casa que, segundo a revista, possibilita acesso para deficientes físicos é a Chez Younes. A gente já foi lá. A comida é ótima, o preço também (pede o rodízio), os funcionários são atenciosos, só não tem acessibilidade - tremendo degrauzão na entrada, sem banheiro e mesas juntinhas demais umas das outras. Eu não sei quais são os critérios que esse pessoal usa para estampar em suas páginas aquela cadeirinha como símbolo. Só acho que acessibilidade não é uma questão de ser do bem, e sim de cidadania. O artigo na verdade se resume a uma arte esquematizando o custo de adequar um estabelecimento com medidas desejáveis, politicamente corretas. Se você está pensando em abrir um restaurante, pare de ler esse post agora mesmo.
Se continuou por aqui, imagino que não pretende virar empresário, é muito rico ou muito curioso. Pois bem então: um elevador para cadeirantes sai por 25.000 reais (mensais), impressão de cardápio em braile, 4.000 reais cada e um banheiro adaptado custa 6.000 reais. Agora me diz: essa revista é ou não é meio sem noção?

Troféu sem noção do ano

Com a palavra, Glorinha:


Ficou sob minha responsabilidade escrever este post sobre o “TROFÉU SEM NOÇÃO DO ANO”, eu diria até DO SÉCULO. Mas como fazer isso sem dar uma contextualizada? Para tal, ele terá um tom dramático. Inevitável, pois só descrevendo o que estava rolando naquele mês é que as pessoas conseguirão entender o quanto foi sem noção aquele “Vocês terão que passar a noite aqui e ir embora amanhã, Ok?" Imagino que vocês estejam pensando que perdemos um voo e teríamos que passar mais uma noite em Paris ou em Noronha. Mas não, nada disso.
Era sábado, final da tarde. Mais um finde no hospital. Numa internação que duraria apenas 10 dias, no máximo, e já durava um mês. Para mim, era muito mais que isso. Já havia perdido toda a minha força, minha energia, minha capacidade de resiliência. Minha fantasia de Mulher Maravilha estava gasta, surrada... Durante a semana, eram horas ao telefone inventando assuntos divertidos. Era desligar o telefone e dormir chorando. De 6ª a 2ª feira pela manhã, ficava eu inventando assunto, engolindo as lágrimas que insistiam em descer, contrabandeando alimentos do mercadinho, dividindo os problemas do meu trabalho.
Era sábado. Sábado num hospital não cinco estrelas. Sendo atendido por enfermeiras e técnicas de enfermagem (nem vou falar desta raça, digamos assim, porque isso merece um post exclusivo, ou até mesmo um blog exclusivo de reclamações. Ôôôô raça!) não muito, podemos dizer, nota dez em sua profissão. Era longe, do outro lado da poça. Longe de tudo e de todos. Longe de um lugar bacana para comer e assim arejar a mente, pelo menos nas refeições. Para diversão, só a cantina com cheiro horrível e o mercadinho próximo com produtos limitados. A TV com “chiados” e imagem ruim. TV a cabo? Sem chance.
Era sábado. Sábado, só nós dois. Só nós dois num hospital. Além de longe, decidimos que visitas não eram bem vindas pelo tipo de tratamento feito. Para evitar infecções etc.
Era sábado. Era sábado e já  havíamos passado por antibióticos prescritos errados, por lesão uretral causada por enfermeira que fez  merda (desculpem o termo, mas não há outra forma de explicar rapidamente. Isso também merece um post exclusivo), infecção por acesso venoso não limpo direito, por curativo não feito.
Era sábado. Mais um dia que as refeições viriam e seriam horríveis. O contrabando trazido do mercadinho às vezes dava conta. Era sábado. Era sábado e aniversário da minha mãe. Era o primeiro aniversário da minha mãe que não estava com a família comemorando, ela entendera. Mas era sábado. Sábado com três vezes mais de tempo previsto de internação.
Era sábado. Era sábado quando ficamos o dia inteiro ensaiando um jeito de sairmos dali. Pediríamos ao doutor que nos deixasse curar a infecção em casa e depois voltaríamos para retomar o tratamento. Ensaiamos o dia inteiro como seria o approach. Decidido. Falaríamos assim que ele adentrasse o quarto. Eu faria aquela cara de esposa louca e ele, o doente desorientado. Decidido e ensaiado.
Era sábado. O médico chega e, antes mesmo de começarmos nosso número, começa a conversar, pede desculpa pelo antibiótico receitado errado e tal. Enfim, nos dá alta. Como não posso perder meu tom dramático (o Carlos diz que sou dramática e emocional) começo a chorar de emoção... Confirmo que o poder da mente existe mesmo. Desejamos tanto que aconteceu. Até aí tudo bem. Onde então está o troféu sem noção? Era troca de turno das enfermeiras e técnicas. Você sabe o que é uma troca de turno desta raça? É uma pressa para ir embora... Por isso se injeta vaselina, troca-se remédio, corta-se dedo de criança e por aí vai... Nesta época, ainda precisávamos de ajuda, não sabíamos fazer transferência (para os que não entendem este termo, muito comum entre os “lesionados medulares”, é pular da cama-cadeira de rodas, cadeira de rodas-carro etc), então precisaríamos de ajuda até o carro. Em casa daríamos um jeito... Eis que surge a pérola da moça que insistia em ficar olhando o relógio:
- Essa hora o maqueiro já foi, então vocês terão que passar a noite aqui e ir embora amanhã, Ok?
Sorrio e respondo:
- Você não está entendendo. O Carlos sai daqui hoje nem que o doutor tenha que carregar ele no colo ou eu tenha que fazê-lo.
Neste dia o meu aprendizado profissional, que me treinou na resolução de problemas, me ajudou. Chegamos em casa sãos e salvos e um primo querido nos aguardava para a segunda etapa (carro-cadeira, cadeira-cama). Ligação para sogra e mãe - o melhor presente de aniversário recebido por ela.
Era sábado. Enfim sós. Enfim sós e em casa.


Gloria

segunda-feira, 14 de março de 2011

Vá ao teatro (e me chame)

Fim de ano, campanha Teatro para Todos rolando. A gente entrou numa de assistir à peça Mente Mentira na Casa de Cultura Laura Alvim. Era uma das primeiras vezes que nos aventurávamos a sair sozinhos, acho até que era a primeira. Saímos cedo de casa e fomos para o metrô, estação Flamengo. O elevador, que acabara de ser inaugurado depois de meses em obra, já estava quebrado (fiquei sabendo depois que o problema era que ninguém sabia com quem estava a chave que abria o negócio). Me desceram para a plataforma num aparelho que é meio manual, meio mecânico; meio esteira, meio rodinhas. Tranquilo, já tinha usado outras vezes. A Gloria é que ficou meio assustada com o sistema. A Laura Alvim está indicada na Veja Rio como local acessível. Quem disse isso nunca andou numa cadeira de rodas. O lugar pode ser qualquer coisa, menos acessível. Piso, rampas, banheiro, nada ali facilita as coisas para um cadeirante. Muito pelo contrário. Com a educação de um javali do mato, o cara do guichê me informa que não tinha essa de lugar preferencial não. "Parceiro, para resolver seu caso só a administradora. Próximooo..." Cabe aqui um esclarecimento: eu não estava tentando nenhuma vantagem especial. Só queria evitar o constrangimento de ficar atrapalhando a visão de alguém. Isso já aconteceu e é muito chato. A tal administradora chegou. E bem a tempo, pois o pessoal na fila já estava me olhando de cara feia (tinha uma mulher lá que desconfio que tinha a cara feia assim mesmo, sei lá). Tudo mais ou menos, até chegar ao elevador. Quem disse que a cadeira entrava? Quase tiveram que quebrar um pedaço da porta, mas deu para subir. A cereja do bolo foram dois degraus que ficam bem na entrada da sala. Mesmo com ajuda fica complicado. Assisti ao espetáculo junto à porta, animado pelo entra-e-sai da galera. Esperando por dois funcionários que pudessem ajudar na saída, Glorinha aproveitou para emitir sua opinião sobre a Casa. Falou tanto que a tal administradora prometeu ligar convidando para uma nova peça que iria estreiar em janeiro, quando tudo já estaria adequado a receber todo tipo de público. Acho que o título da peça, Mente Mentira, foi ela que deu. Só para completar, o elevador da estação Ipanema do metrô não estava funcionando. Os funcionários deram uma de João Sem Braço e saíram de fininho porque tinham acabado de auxiliar outra cadeirante a descer pela escada rolante e eles certamente não tinham a menor intenção de se esforçar mais que o necessário. Demos o nosso jeito lá e ficou tudo certo. A aventura nos ensinou uma lição: não vale a pena se estressar por bobagem. O lance é enxergar o lado divertido de tudo e aguardar o próximo evento.

domingo, 13 de março de 2011

Salve, Jorge!

A Gloria estava ao telefone pegando informações sobre um resort para a gente de repente ir qualquer dia desses. Termina a ligação e fica rindo sozinha. Parece que a coisa foi assim:


_ Mas então vocês têm acessibilidade para cadeirantes...
_ Teeemos. Total acessibilidade.
_ Ah, tá. Ele pode circular sozinho pelas principais dependências do hotel, né?
_ Não, não, sozinho não.


A gente só fez uma viagem por enquanto. Hotel Florença, em Conservatória. Dica de uma amiga (cujo pai estava utilizando uma cadeira de rodas à época) que foi lá e gostou. O objetivo era passar o fim de semana do meu aniversário só nós dois. Ligamos com a devida antecedência, pesquisa na internet, beleza, certinho. Tentamos nos montar de todas as formas prevenindo qualquer contratempo nessa viagem-teste. Resultado: ficamos eu, ela e o Jorge. Ninguém esperava que um hotel fazenda oferecesse arvorismo adaptado ou tivesse elevador para subir em charrete. O basicão era quarto, banheiro e algumas áreas comuns. Acontece que eu só tinha autonomia para ir do quarto até a recepção. Ou seja: pagar a conta eu podia, almoçar não. O mesmo esquema do restaurante valia para as piscinas, salão de jogos, igreja, casa grande, áreas de convivência. Para frequentar qualquer desses ambientes, só com ajuda, pois o chão é todo irregular, de pedra. E é aí que entra o Jorge. Funcionário do hotel, bastava a gente sair do quarto para o cara aparecer. Vamos para a piscina? Está lá o Jorge oferecendo uma forcinha. Salão de jogos? Jorge saltando de trás de uma moita. Ficou na nossa cola o tempo todo. A fazenda serviu de locação para algumas novelas, mas daí a ter escravo particular vai uma distância. Só faltou a musiquinha de fundo: lerê, lerê, lerê, lerê, lerê, vida de nêgo é difícil... Um fazendão do século 19 deve mesmo preservar o aspecto da época e tal. Uma boa solução para o problema é a medida que adota o Forte de Copacabana, que mantém a forma original, mas cria um caminho alternativo paralelo com piso regular. Uma espécie de tapete de concreto. O Vassouras Eco Resort é novinho em folha (só seis meses de funcionamento) dava para ter feito um projeto inclusivo. Acho bem mais inteligente. O balanço da viagem acabou sendo super positivo. Deu para curtir, descansar. Na despedida, quem parecia feliz mesmo era o Jorge. Vai ficar um bom tempo sem poder ouvir falar em cadeira de rodas.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Jogo do contente

Pode chamar de maluco, mas dá para enxergar lado positivo nisso tudo. Da série "As vantagens de ter ficado doente":
hoje valorizo muito mais minha família;
descobri que tenho mais (e melhores) amigos do que imaginava;
Gloria diz que estou mais divertido (desconfio que eu era um tanto chato);
não esquento a cabeça por qualquer bobagem;
tenho mais disposição para tudo, perdia fins de semana inteiros só praticando nadismo (preguiçoso mesmo);
estou curtindo esse lance de cuidar da saúde (alimentação, exercícios, essas coisas);
não tenho bebido nem fumado;
agora aproveito mais o dia (já estive mais para morcego da madrugada);
por estranho que pareça, meu tempo rende mais, estou mais produtivo;
menos estabanado, mais cuidadoso (quem faz com pressa, periga ter que fazer tudo de novo);
agora me concentro em fazer as coisas que realmente gosto de fazer (precisei parar de andar para começar a me mexer);
além disso dá para pegar ônibus de graça, tem desconto em viagem de avião, nunca mais vou pagar DUDA na vida, o estacionamento preferencial é (quase) garantido, isenção de IPI, ICMS, IOF, IPVA, também de IR e IPTU, reserva de vagas em concursos públicos, gratuidade em eventos esportivos, meia entrada em estabelecimentos culturais e/ou entretenimento em geral. Sei não, se for pesar direitinho...

quarta-feira, 2 de março de 2011

Red Bull te dá aasaaaas

A cena é sempre a mesma. A pessoa fica te olhando por uns instantes, coça o queixo ou a cabeça e dispara:


_ Mas você não mexe nada?
_ Não, meu amigo, nada.
_ Nada, né...
_ Nada.
_ O senhor não sobe escadas?
_ Não, não subo.
_ Vai precisar de algum auxílio, alguma ajuda...
_ ...


O cadeirante está sempre sujeito ao improviso. A gente é minoria, eu sei, por isso quase nunca os locais ou as pessoas estão preparados para nos receber. Acaba que no final rola um mutirão e te carregam meio que no colo mesmo. Tudo mais ou menos não fossem os comentários que saem antes da solução do problema. Bicho, é cada pergunta... Sabe quando você está só pensando e quando vê já falou em voz alta o que não devia? A impressão que eu tenho é essa. É isso ou o cara está de sacanagem comigo. Se eu conseguisse andar só aquele espacinho, subir só aquele degrauzinho, não estaria de cadeira de rodas, pescou? Vou descolar uma cadeira com rodão e motor envenenado ou começar a beber aquele energético da televisão. Quem sabe assim eu não supero os obstáculos e paro de ouvir abobrinha?

terça-feira, 1 de março de 2011

A fisioterapeuta do cara da novela

Eu jurava que quando alguém fica paralítico o problema era só da cintura para baixo. As pernas não mexem, mas vida que segue. Pois a coisa não é bem assim. Junto com a paralisia vem uma penca de coisa a reboque. Faz parte da bronca. Tem um lance que chamam de controle (equilíbrio) de tronco, que você simplesmente perde. Depois melhora, mas perde. Outra coisa muito estranha é que você não deixa propriamente de sentir os membros. O sistema nervoso fica maluco e manda impulso o tempo todo, só que tudo descoordenado. Aí é um tal de choque, formigamento, espasmo, trimilique... Até acostumar é meio chato. E para usar o banheiro? Não vou entrar no detalhe, só digo que o negócio é trabalhoso. Muito trabalhoso. E envolve desde uma alimentação e hidratação adequadas até sondas e massagens abdominais. Requer muita informação, disciplina, tempo e esforço equacionar a coisa toda. Mesmo assim, deu mole... Sem contar que a gente passa a conviver com um monte de fantasmas: infecção urinária, úlcera de pressão (escara), novas lesões. Eu mesmo tenho um sonho recorrente onde meu avião cai no mar e sobrevivo à queda, mas vou morrer afogado porque não sei bater perninha. É mole? Cada deficiência tem sua especificidade. Cada um sente (ou não sente) de um jeito. Então, só para retomar o assunto das rampas, acho que o que falta é informação. Eu mesmo, antes da lesão, não fazia ideia da gama de questões envolvidas no tema. As coisas estão melhorando a cada dia, e não o contrário. Tem muita gente boa por aí fazendo e divulgando coisas incríveis e acho que o caminho é esse: quanto mais informação, mais as coisas vão se aperfeiçoando. Enquanto isso eu vou procurar a fisioterapeuta do cara da novela para ver se ela me ensina a nadar. Estou pensando em viajar no carnaval e vai que...