Com a palavra, Glorinha:
Ficou sob minha responsabilidade escrever este post sobre o “TROFÉU SEM NOÇÃO DO ANO”, eu diria até DO SÉCULO. Mas como fazer isso sem dar uma contextualizada? Para tal, ele terá um tom dramático. Inevitável, pois só descrevendo o que estava rolando naquele mês é que as pessoas conseguirão entender o quanto foi sem noção aquele “Vocês terão que passar a noite aqui e ir embora amanhã, Ok?" Imagino que vocês estejam pensando que perdemos um voo e teríamos que passar mais uma noite em Paris ou em Noronha. Mas não, nada disso.
Era sábado, final da tarde. Mais um finde no hospital. Numa internação que duraria apenas 10 dias, no máximo, e já durava um mês. Para mim, era muito mais que isso. Já havia perdido toda a minha força, minha energia, minha capacidade de resiliência. Minha fantasia de Mulher Maravilha estava gasta, surrada... Durante a semana, eram horas ao telefone inventando assuntos divertidos. Era desligar o telefone e dormir chorando. De 6ª a 2ª feira pela manhã, ficava eu inventando assunto, engolindo as lágrimas que insistiam em descer, contrabandeando alimentos do mercadinho, dividindo os problemas do meu trabalho.
Era sábado. Sábado num hospital não cinco estrelas. Sendo atendido por enfermeiras e técnicas de enfermagem (nem vou falar desta raça, digamos assim, porque isso merece um post exclusivo, ou até mesmo um blog exclusivo de reclamações. Ôôôô raça!) não muito, podemos dizer, nota dez em sua profissão. Era longe, do outro lado da poça. Longe de tudo e de todos. Longe de um lugar bacana para comer e assim arejar a mente, pelo menos nas refeições. Para diversão, só a cantina com cheiro horrível e o mercadinho próximo com produtos limitados. A TV com “chiados” e imagem ruim. TV a cabo? Sem chance.
Era sábado. Sábado, só nós dois. Só nós dois num hospital. Além de longe, decidimos que visitas não eram bem vindas pelo tipo de tratamento feito. Para evitar infecções etc.
Era sábado. Era sábado e já havíamos passado por antibióticos prescritos errados, por lesão uretral causada por enfermeira que fez merda (desculpem o termo, mas não há outra forma de explicar rapidamente. Isso também merece um post exclusivo), infecção por acesso venoso não limpo direito, por curativo não feito.
Era sábado. Mais um dia que as refeições viriam e seriam horríveis. O contrabando trazido do mercadinho às vezes dava conta. Era sábado. Era sábado e aniversário da minha mãe. Era o primeiro aniversário da minha mãe que não estava com a família comemorando, ela entendera. Mas era sábado. Sábado com três vezes mais de tempo previsto de internação.
Era sábado. Era sábado quando ficamos o dia inteiro ensaiando um jeito de sairmos dali. Pediríamos ao doutor que nos deixasse curar a infecção em casa e depois voltaríamos para retomar o tratamento. Ensaiamos o dia inteiro como seria o approach. Decidido. Falaríamos assim que ele adentrasse o quarto. Eu faria aquela cara de esposa louca e ele, o doente desorientado. Decidido e ensaiado.
Era sábado. O médico chega e, antes mesmo de começarmos nosso número, começa a conversar, pede desculpa pelo antibiótico receitado errado e tal. Enfim, nos dá alta. Como não posso perder meu tom dramático (o Carlos diz que sou dramática e emocional) começo a chorar de emoção... Confirmo que o poder da mente existe mesmo. Desejamos tanto que aconteceu. Até aí tudo bem. Onde então está o troféu sem noção? Era troca de turno das enfermeiras e técnicas. Você sabe o que é uma troca de turno desta raça? É uma pressa para ir embora... Por isso se injeta vaselina, troca-se remédio, corta-se dedo de criança e por aí vai... Nesta época, ainda precisávamos de ajuda, não sabíamos fazer transferência (para os que não entendem este termo, muito comum entre os “lesionados medulares”, é pular da cama-cadeira de rodas, cadeira de rodas-carro etc), então precisaríamos de ajuda até o carro. Em casa daríamos um jeito... Eis que surge a pérola da moça que insistia em ficar olhando o relógio:
- Essa hora o maqueiro já foi, então vocês terão que passar a noite aqui e ir embora amanhã, Ok?
Sorrio e respondo:
- Você não está entendendo. O Carlos sai daqui hoje nem que o doutor tenha que carregar ele no colo ou eu tenha que fazê-lo.
Neste dia o meu aprendizado profissional, que me treinou na resolução de problemas, me ajudou. Chegamos em casa sãos e salvos e um primo querido nos aguardava para a segunda etapa (carro-cadeira, cadeira-cama). Ligação para sogra e mãe - o melhor presente de aniversário recebido por ela.
Era sábado. Enfim sós. Enfim sós e em casa.
Gloria
E depois não entendem porque filmaram "Um dia de fúria". Provavelmente o autor esteve internado em Niterói... Que merda, só falando assim. Eu já fiquei internada um dia a mais porque o médico esqueceu de me dar alta antes de ir embora do hospital, quando tive dengue hemorrágica. Áliás, esta internação foi bem surreal. Um médico entrou no meu quarto querendo me dar um remédio para curar a minha síncope (que eu nunca tive), a nutricionista me receitou uma dieta com alimentos laxativos (sendo que um dos sintomas da dengue é a diarréia), o cara que estava no quarto em frente ao meu morreu de infarte porque ninguém atendeu à porra da campainha que a mulher dele quase destruiu tocando... Coisas do tipo!
ResponderExcluirFalam em ficar mais um dia internado com a maior naturalidade... Queria ver se fosse a mãe...
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