segunda-feira, 28 de março de 2011

Cê deixa o telefone que a gente te retorna, tá?

O primeiro contato, normalmente, é por telefone. A atendente, normalmente, fala pelos cotovelos. Ela te dá o preço do curso, sai dizendo os horários ("o professor é ótimo"), quando a turma começa ("na verdade já começou, mas claro que ainda dá para entrar"). Consigo uma brecha e pergunto:


_ Então, Jéssica, é que eu sou cadeirante e queria saber como é o espaço aí com relação a acessibilidade e tal.
_ ...
_ Jéssica?
_ Só um instantinho que eu vou chamar o Fabiano pra falar com você, tá?


Tem um curso sobre Machado de Assis no Liceu Literário Português de Laranjeiras; um outro sobre cinema e arte no Polo de Pensamento Contemporâneo (POP); oficina de conto na Estação das Letras; de criação literária e História na Moviola. Todos eu estou a fim de fazer. Não deve rolar nenhum. E sabe o motivo? Falta de acesso. Uma escada ou uma porta estreita são suficientes para embarreirar geral. Ainda têm as academias, no caso Upper e Max Forma, onde o problema nem é circular pelo salão. Acontece que nunca ninguém tentou malhar nesses lugares em cima de uma cadeira de rodas - adianto que não tem muita diferença entre quem está de pé e quem está sentado.
Acho que estou chegando a uma nova fase nessa tentativa de reintegração ao mundo. Se a ideia é ir a um restaurante, tem o acessível e o não-acessível. Escolhe o primeiro e bom apetite. Evento com rampa ou evento sem rampa? Evento com rampa. Beleza, mas e quando o negócio é mais específico? O curso que eu quero fazer é aquele. Naquele lugar. O show é daquela banda e não da outra. O seu tio mora naquele prédio, aonde você não consegue entrar sozinho. Visita o cara como? Todas são instituições privadas, não têm obrigação de me receber. Só esperava que tivessem uma postura mais inclusiva. Até porque estamos falando de ambientes onde se discute a sociedade em que vivemos. Estamos falando de professores. De Educação.
A maioria das adaptações necessárias são bem simples, coisa boba. É uma porta que abra para fora, uma rampinha (móvel que seja), um batente mais largo. Pequenas mudanças que fazem toda a diferença. Falta informação. A gente está só começando a pensar uma cidade mais acolhedora. Pedi um laudo lá no SARAH e estou levando para os caras da malhação. De vez em quando mando um email para os coordenadores dos cursos (que ficaram de adequar os respectivos espaços). A tática é insistir, com jeito e educação, mas insistir. Sei que corro o sério risco de parecer chato, mas não vou desistir não. Acho até que amanhã vou tomar um café com a minha amiga Jéssica...

6 comentários:

  1. Cara, veja aí o art. 11 da Lei 10098/2000:
    "Art.11. A construção, ampliação ou reforma de edifícios públicos ou privados destinados ao uso coletivo deverão ser executadas de modo que sejam ou se tornem acessíveis às pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida.

    Parágrafo único. Para os fins do disposto neste artigo, na construção, ampliação ou reforma de edifícios públicos ou privados destinados ao uso coletivo deverão ser observados, pelo menos, os seguintes requisitos de acessibilidade:

    I – nas áreas externas ou internas da edificação, destinadas a garagem e a estacionamento de uso público, deverão ser reservadas vagas próximas dos acessos de circulação de pedestres, devidamente sinalizadas, para veículos que transportem pessoas portadoras de deficiência com dificuldade de locomoção permanente;

    II – pelo menos um dos acessos ao interior da edificação deverá estar livre de barreiras arquitetônicas e de obstáculos que impeçam ou dificultem a acessibilidade de pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida;

    III – pelo menos um dos itinerários que comuniquem horizontal e verticalmente todas as dependências e serviços do edifício, entre si e com o exterior, deverá cumprir os requisitos de acessibilidade de que trata esta Lei; e

    IV – os edifícios deverão dispor, pelo menos, de um banheiro acessível, distribuindo-se seus equipamentos e acessórios de maneira que possam ser utilizados por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida."

    Veja que a Lei fala de edifícios públicos e privados. Ou seja, o titio pode exigir na assembléia do condomínio o cumprimento da Lei. Como toda lei tem a redação rebuscada e pode gerar interpretações diversas, de repente a própria academia pode ser enquadrada.
    Procure em São Google o texto completo dessa Lei. Ela é de 2000, mas só foi regulamentada em 2004. De qualquer forma, tá valendo. Um abraço.

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  2. Muito útil seu comentário, Rogério. Vou mandar pra esses caras e ver no que dá. Valeu

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  3. OLHA TBM PASSO O MESMO DILEMA ,VAMOS VENCER ASSIM MESMO DANDO A CARA PRO TAPA...RSRS VAMOS VENCER,SOBRE A ACADEMIA ESTOU NO MESMO DILEMA Q VC ,AQUI TEM MUITAS MAS SERÁ QUE IREI CONSEGUIR?BJOKAS

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  4. Consegue sim, cara FER, pede um relatório lá pro João que eu acho que resolve o problema. Valeu

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  5. Cadu,

    Você tocou num ponto importante: a lei de Murphy dos cadeirantes. O melhor curso do que quer que a gente pretenda fazer, o espaço cultural que tem a programação mais interessante, o cantinho lounge de uma casa noturna legal e até mesmo o varandão de um restaurante bacana têm escada ou pelo menos uns degraus bem dotados no meio do caminho. Há muito o que melhorar, mas a coisa já foi beeeem mais braba.

    Concordo que a reivindicação educada e a persistência pacífica são os meios ideais para batalhar por acesso melhor, ainda que a gente leve a fama de pentelho. Por outro lado, falta mais presença. Se a gente não der as caras, pode parecer que as adaptações são investimentos sem utilidade. Se a gente aparece, não só fica a impressão de que as facilidades de acesso não são meramente cumprimentos de exigências legais, como faz com que os donos dos estabelecimentos comerciais saibam que a gente é uma fatia importante do mercado consumidor. De minha parte, procuro ser boa pagadora, gentil com as pessoas e dou até gorjetinha extra - quando a prestação de serviço faz jus a ela, claro. Com simpatia e educação, a gente vai quebrando a imagem de mala-sem-alça e ainda dá uma “valorizada na classe.”

    Grande abraço e parabéns pelo blog,

    Claudia.

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  6. Cara Claudia, se eu tivesse metade da sua capacidade de argumentação tenho certeza de que conseguiria dar uma bela rasteira no Murphy e interagir mais por aí. Muito obrigado pela sua contribuição. É essa troca de ideias que a gente acha fundamental e quer incentivar com o blog Acessível. Apareça sempre que quiser e continue contribuindo porque sua experiência pode ajudar muita gente. A mim já ajudou. abração

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